sexta-feira, 14 de maio de 2010

015 um povo melancólico

Causa estranheza que um povo tão fustigado pela miséria ultrapasse essa dor com boa disposição. Terá sido esse o propósito da passagem de Jesus pela Terra, sobretudo o aproveitamento do seu carisma enquanto homem, transformado em divino com os lucros por demais evidentes, sem outra intenção melhor de a de amansar as multidões pelo medo do que possa acontecer depois da morte.

Assim lhe passavam estas ideias na cabeça e o sentido revolucionário perdido num vácuo sem sentido. Isto para que a rebobinação do disco enfiado às três pancadas, na sua cabeça, decorresse sem que se desse qualquer incêndio inesperado. Mas o seu interesse não se fixava nas influências de Jesus nas alegrias de um povo pouco abastado materialmente, antes nos actos que praticava, quase sempre sem reconhecimento imediato, quase sempre motivo de uma inveja qualquer.

Tocava-lhe no fundo do coração uma melancolia que se desprendia dos desejos por cumprir, de seres pouco prováveis, como se a falta que alguém faz tivesse que ser manifestada apenas pelos extrovertidos. É óbvio que só chega a essa conclusão quem olha para o infinito e se esquece de um mundo aqui bem perto do corpo, da alma e mesmo do sangue sem que a família tenha que ser compatível no ADN.

Apesar do pesar que transbordava do seu rosto, era um turbilhão de sentimentos que apenas o angustiavam ainda mais. Resolvia tudo, sentindo-se desejado, útil e amado. Era sempre um tónico importante para abandonar as ideias suicidas que de vez em quando lhe atolavam o pensamento.

E quando se recordava da sua terra, onde fora criado com o amor possível, era-lhe impossível sentir apenas repulsa, não pela língua que se ia evaporando da sua boca para um qualquer buraco negro, mas pelas pessoas que faziam que faziam parte de si para além do corpo e das desejadas sessões de sexo. E esse amor que tão ausente ficara do seu corpo fora um dos motivos para a fuga, esquecendo-se de cumprir a vontade aos pais de ter um emprego seguro em tempos difíceis, como se alguma vez alguma coisa se tornasse fácil perante a sua intransigência.

Voltar seria pelo hábito da bica e do copo com água que se perdera algures no tempo e decerto que a dieta programada iria pelo cano abaixo ao regressar ao país dos acidentes vasculares cerebrais. Talvez fosse melhor relembrar os especialistas que antes de mudar esses hábitos haveria que castigar o desprezo do ser humano pelo seu semelhante nas sociedades ditas democráticas.

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