Num mundo alucinado, onde pelo mero respirar se era tomado de assalto por um anjo ou demónio, ser peregrino da sagrada loucura era um fardo de consequências imprevisíveis se por acaso se desse uma nova época glaciar, proveniente do aquecimento global que por sua vez provocaria um aumento brutal do nível das águas, devastando tudo e todos até a ordem natural das coisas se repor.
Era necessário prever os passos solitários de um homem destroçado pela razão, apesar da força indomável de todas as suas emoções. Havia que tomar cuidado com a libertação de energia de maneira a não desequilibrar ainda mais o estado caótico de um mundo perdido.
Essas emoções não passaram despercebidas ao senhor das trevas que enviara para o mundo dos homens uma entidade que se alimentava da ira humana no seu estado mais puro. Havia que ceder ao pecado capital para que o demónio se manifestasse e assim entrasse num receptáculo. Porém só o grande líder, que ainda não sabia que o era, lhe interessava e a impaciência pelo ataque mais primitivo da fúria era cada vez mais intensa.
Apesar de estar prevista a dita fatalidade, não havia forma de adivinhar o pensamento daquele ser banal, de uma vulgaridade quase atroz quando se pensava na importância que viria a ter, mas a imaginação do líder das trevas era algo de pérfido, como não podia ser de outra maneira e deu a volta à questão.
Numa das suas caminhadas deparou-se com uma situação intolerável, algo que possivelmente faria desaparecer a sua proverbial calma. Um fulano de boa aparência entrava dentro do seu carro, sem sequer se dar conta faz marcha-atrás e atropela uma criança. Pára, sai do carro, olha para debaixo deste e vê o petiz a querer levantar-se, como se por um milagre não lhe tivesse atingido nada. Sem que nada o previsse volta a entrar no carro e acelera a fundo. Esmaga uma perna ao miúdo. Volta a sair e bate com a cabeça do miúdo violentamente contra o chão.
Um multidão que se foi juntando ali perde as estribeiras e lança-se a ele que fica imóvel entregando-se ao destino mais que provável.
O peregrino interrompe a sua caminhada e entrega-se à orgia de violência em crescente apoteose. Sem que ninguém se dê conta o miúdo levanta-se e toca-lhe. O demónio entra dentro do peregrino, sem qualquer alarido, sem sequer poder manifestar-se, até conseguir juntar os outros seis diabos junto ao cofre dos enigmas dourados. Um segredo de tal maneira bem guardado que apenas o anjo da guarda do peregrino, designado por Deus, sabe o caminho.
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