O silêncio abatia-se facilmente
pelas pessoas ao seu redor. Era claro que, mesmo entre os 72, alguns nunca
haviam comunicado sem ser por telepatia, sinergia de esforços mental, qualquer
coisa distante da vulgar linguagem dos simples humanos.
O rubor dos lábios era algo que
sempre o atraíra, da mesma maneira que a indiferença dos seus queridos perante
o lodo em que se atolavam todos, o enraivecia. Para nada! Se queria mudança que
começasse por ele, mais ninguém o faria. Os outros conseguiam ser felizes nas
lamúrias constantes por um mundo melhor e pelo grande prémio de um jogo em que
o investimento era quase sempre deitado a perder.
Frequentemente entranhava-se nele
o odor carnal de Flor, era uma meta precisa para conseguir fazer o que era
preciso. Sabia que envelheceriam juntos e um dia passariam a memórias todos os
encontros sexuais perpetrados. Havia que aproveitar os cada vez mais raros
momentos em que conseguiam estar juntos.
Voltou à sua missão de antes,
regressando à terra onde conhecera Flor. Era uma meta precisa para fazer o que
era preciso, isto não lhe saía da cabeça. Passou pela rua onde vivera uns meses
e olhou para cima, perdendo-se no habitual emaranhado de fios eléctricos, ali
muito perto do apartamento onde vivera, com uma fileira de pombos em impassível
caganeira que aterrava nas cabeças desprevenidas de quem passava desatento.
Já não via as cortinas, apenas
uma placa a dizer ‘es lloga’, possivelmente mais barato que no seu tempo, mas
isso passava-lhe ao lado. Apenas se interessava por sublimar o rubor verdadeiro
nos lábios dos irritantes habitantes de uma zona mentalmente degradada, com as
normais consequências no meio ambiente circundante.
A carnificina esperada acabou por
não ser assim tão explícita. Era impossível querer destruir pessoas que nem
sabiam o que era ser mau. Apenas eram estúpidas ao ponto de não saber
aproveitar uma das maravilhas carnais postas ao seu gratuito dispor: o beijo.
Parecia que a boca apenas servia para funções alarves, desaproveitando os
benefícios do silêncio.
Deu-se conta da importância da
verdadeira necessidade de dominar bem o ofício do silêncio para suportar os
benefícios da ausência de som.
Se as pessoas não falassem através dos preconceitos
adquiridos, era certo que o mundo ainda teria uma réstia de esperança na
salvação, de outra maneira os sonhos emergentes dos miúdos da geração seguinte
jamais poderiam fundar a Pipocalipsia, o mundo onde os excessos de doces e de
sal não teriam nunca como consequência a amputação dos membros inferiores.
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