112 os bolsos quase vazios
Sair de casa, num emaranhado de teias intrincadas em que o sentido se resumia a um mero estar, uma constelação de pequenos nadas que ela lhe podia dar, mas que a contínua crise insistia em afastar.
Era cíclico voltar a entrar em depressão. Não queria ser o líder de facção nenhuma, ter de terminar os dias sem poder respirar as coisas normais, apenas e só porque tinha um objectivo diferente do que era considerado usual.
Como corromper as ideias feitas de uma espécie condenada ao extermínio? Haveriam sempre os corruptores endiabrados que equilibravam a sua balança para o Apocalipse ou os guerreiros da ordem celestial que harmonizariam o universo pela punição dos pecadores. Ele não queria saber de nada disso e cada vez mais imaginava-se como um mero joguete nas mãos dos dois mitos, envelhecidos e sem controlo pelas suas jogadas mirabolantes.
Tinha o seu amor longe nos dias em que vagueava de pés bem assentes no chão e apenas a amava com loucura nas guerras da purificação da falta de vontade própria. Nestes dias de alma vazia era normal que se escapassem torrentes de lágrimas.
Não, não se permitiria mais vaguear ao seu próprio abandono, como se os sonhos mais negros deixassem de ser fonte de purificação para passarem a ser uma dor de sentido ausente.
Sofrer sim, mas com sentido e poder consubstanciar os pecados com doses de traquinice elevada ao expoente máximo da loucura. Talvez fosse essa vontade mais forte que a própria vida que o tivesse atirado para aquele quarto onde começara tudo. Era sempre hora de voltar, de acariciar as feridas, mesmo aquelas sem cura possível, na possibilidade de poder ser confundido com o Cristo em chagas.
Talvez o sofrimento não tivesse sentido, era possível que Deus tivesse tornado a Ira num pecado mortal porque os humanos feitos à sua imagem não o pudessem alcançar nas fraquezas, que ser omnipotente não passa de uma vil fraqueza, sempre paga com violência, mesmo depois do apaziguamento.
Saía de casa com vontade de estar com ela. Era o amor que precisava para poder acreditar que a vida valia a pena. Amiúde tomava a consciência que nada de nada podia voltar ao mesmo ponto depois de ela o ter descoberto.
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