sábado, 5 de novembro de 2011

114 um lamento distante


Ideias feitas havia muitas, fazer com que desaparecessem das cabecinhas iluminadas é que era um martírio que só desapareceria com o desejado Apocalipse. Urgia então a loucura para conseguir dar a volta a um texto em que a cada sinal se falava do fim, sem que se vislumbrasse uma qualquer hipótese de reinício.

Despertou os lamentos num cemitério, onde enterravam alguém que lhe devia ser conhecido, apesar de não reconhecer nenhum dos seres junto ao buraco onde iria repousar o corpo sem alma. Aproximou-se do caixão e encostou a cabeça à madeira fria.

Como poderia sentir-se num mundo onde ninguém se preocuparia em salvá-lo? Era mesmo muita gente e poucos tinham essa benesse de viver acima das possibilidades finitas do corpo. Normais eram as dores de cabeça provenientes da falta de descanso, tudo o mais eram apenas conjecturas de um fundo onde não haviam lugares para investimento.

Estava em causa a escravização global, a queda num abismo, provocada por Lúcifer, desde sempre atento às falhas de atenção do Senhor absoluto de tudo o que mexia. Talvez fosse essa mania da perfeição que dera livre curso aos infinitos demónios para incutir, na cabeça de alguns supostos iluminados, o fim do mundo, tantas vezes preconizado como depois adiado.

Não lhe era possível resistir ao chamamento de uma entidade alheia às ideias feitas para dar curso à implementação da revolucionária terceira via. Se na vida real tivera uma nova chance no amor e o café continuava a funcionar como uma das melhores partes do dia, então, de cada vez que atravessava o portal das dimensões em que vivia consciente, tinha de crescer o sentido por crucificar cada ser abjecto que contribuía para a estupidez do mundo.

Para lá do caixão jaziam milhões de almas, mortas pela inquisição dos seus próprios actos. Os lamentos apenas vinham da morte certa, das dores incertas, doa amores abandonados ao sabor dos pecados presos noutros mundos. Era de uma tortura atroz assimilar todo aquele Inferno sem chamas, que arrefecia até ao limite da sensibilidade os corpos, mesmo que ausentes das almas vazias de vontade.

Naturalmente afastava-se dos lamentos e dos fogos ateados pela imbecilidade dos inúteis que imbecilmente se arrastavam na ilusão de uma felicidade conquistada à custa da merda das ideias feitas.

Afinal as mudanças constantes a que tudo era sujeito, não passavam de uma mera ilusão.

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