Os dias bucólicos, em que a presença de familiares distantes se tornava como que o acontecimento do século, eram cada vez mais escassos, possivelmente fruto do mau feitio do anfitrião que arranjava sempre um pretexto para provocar desgostos na assistência, que cedo se arrependia da presença planeada com tanto afinco pelo desestabilizador.
No meio desse vendaval de desistências, notou-se uma presença tardia, porém assídua, como se entendesse que tudo devia ser redigido segundo as leis antigas da fraternidade, nem que para isso tivesse que matar, tornando-se um pária.
A viagem passava a ser feita numa carruagem estranhamente limpa, como se o mundo se resumisse a um amontoado de corredores e assentos que, devidamente utilizados, levavam o passageiro pela quinta dimensão dos prazeres carnais, seguido das profundezas do Inferno, indevidamente conquistadas pela sedução de um anjo perdido de nome Ervidel, que de tanto ser torturado se esqueceu da missão divina e se transformou num demónio.
Rezava a lenda que os seus poderes se libertariam ao fim de uma tarde, imediatamente depois do solstício de Inverno, notando-se a sua presença física junto de árvores centenárias. Foi assim que saiu o primeiro demónio da sombra, rebentando com uma mala perdida num aeroporto, que viajara por caminhos obscuros e mãos invisíveis até cair esquecida num aglomerado populacional cuja fonte de rendimentos maior era um abeto de doze metros de altura. Ervidel apenas teve de esperar pela passagem de um ser vivo, em condições, para se materializar. Para ajudar provocou um apagão geral na zona, que atraiu para lá alguns meliantes, piquetes da companhia de electricidade e alguns polícias, tudo gente sem a mais pequena importância. Teve de esperar algumas horas até aparecer uma jornalista que possuiu no momento em que ela tocou na mala. A partir desse momento poderia mudar de hospedeiro sempre que se justificasse e não houvessem perdas de energia desnecessárias, mas deixou-se ficar naquele corpo interessante.
A sua primeira missão foi reeducar a sua hospedeira de maneira a poder extrair-lhe todas as potencialidades.
A cidade entrou em pânico com o aparecimento de algumas pessoas horrivelmente mutiladas. Em cada bairro que passava deixava o caos instalado. O seu poder aumentava de forma brutal à medida que possuía as almas dos inúteis que liquidava e o seu maior poder começou a tomar dimensão: a invisibilidade. Mas isso tinha as suas desvantagens, para manter a invisibilidade dentro de um corpo humano tinha que extrair todo o sangue de outro a cada hora que passava, quando não o fazia o corpo possuído tornava-se zombie e tinha que procurar outro hospedeiro.
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