Chove, mas não faz frio. O amargo do café ainda faz sentir um pouco da vida antiga, dos desejos e das falhas de memória para o perdão que mais parece humilhação.
Consciente do Céu e do Inferno viaja incólume até à brecha existente no fim do Universo, provando ao vácuo e à desgraça do silêncio espacial que o finito é um pouco mais além.
Chove, mas não faz frio nem o francês decadente provou o que quer que seja com a sua definição divina de amor, porque apesar de Arturo ser a exacta fronteira entre o bem e o mal não deixa de ver as invenções mirabolantes do espírito humano passearem a sua soberba perante a desgastante compaixão, exclusivamente humana, vilmente despedaçada por um descendente imaginário dos hiperbóreos, o anti-cristo sem medo de símbolos, Apocalipse ou outros truques sujos na manga para enganar os seus antecessores.
Chove, mas não faz frio e as sombras dos incautos decifram-se num buraco negro quase sempre existencial, nem sempre lógico, quase sempre necessário para os que se movem nas sombras possam absorver a energia positiva circundante.
E os humanos seguem impávidos e serenos à beira de um abismo que julgam ser o Éden prometido, consubstanciam a indiferença pelo destino com os pequenos prazeres e pecados mundanos. Esta é decerto uma das pequenas premissas que convém manter, porque nem tudo está mal no reino das trevas, da indifrença emocional ao mal-estar provocado pela ganância dos humanos, cada vez mais despudorada.
Chove, mas não faz frio, entre os desertos onde os escorpiões alimentam uma raça de suícidas perante ameaças externas e uma terceira facção deixa de ser fonte de pesadelos para a necessária realidade.
Era mais fácil nem sequer tentar perceber o amor e o ódio, a fé ou a descrença, a protecção ou os maus-olhados. Bastava apenas abrir os olhos para as sombras envolventes, ver que se movem independentemente do dono e acabam por levá-lo por onde querem, até ao dia em que, de sombras, passarão ao infinito da morte, em negro constante. Ou talvez voltem quando encontrarem uma nova brecha no Universo finito.
Sem comentários:
Enviar um comentário