domingo, 23 de janeiro de 2011

052 nas horas de maior calor

Depois de uma noite agitada, despertou suado e à beira de um ataque de nervos. Sonhara uma existência normal que afinal não passava de mera fantasia. Quando os olhos se abriam as ideias sucediam-se em catadupa e a cabeça parecia explodir, o que até nem lhe parecia má ideia, não fossem as insuportáveis enxaquecas.

Estranhava o tesão que sentia perante a crueza dos factos e como a namorada não passava de um elaborado plano que o consumia, tinha que se masturbar para libertar qualquer energia negativa que possuísse. Não que se sentisse melhor, apenas um pouco mais aliviado do tesão que o angustiava.

Sem ser o costume que o assaltava todos os dias, resolveu tomar um banho de água gelada, aclarando as ideias que teimavam em suceder-se a um ritmo cada vez mais rápido. Deu um grito e deixou correr a água, como todos os humanos, uns mais que outros, foi-se habituando à ignóbil temperatura e deu-lhe um novo ataque de tesão sucedendo-se todas as mulheres com quem triunfalmente copulava dentro daquele chuveiro de magia. Até que caiu redondo no chão, vendo um suave fio de sangue a cair ao lado da sua cabeça. Pôs a mão no nariz e com o início da dor, apercebeu-se que era de lá que caía.

Levantou-se com dificuldade e podia ver o sangue claramente, porém este desaparecia no contacto com o chão. Fechou a água e saiu todo molhado da banheira. Limpou o vidro embaciado e olhou-se com atenção. Além da cara vermelha da água absurdamente quente, nada mais se passava.

O sangue parara de cair e do nada começou a cantar 'eu menti à saudade', fado injustamente obscuro com uma voz feminina deslumbrante e um acompanhamento musical como só se podia escutar naquele canto esquecido da península ibérica. Deu-se então conta que estava quase a bater com a cabeça no tecto. Sim os pés já só tocavam o ar, invisível para o absurdo dos humanos, para ele apenas mais uma de muitas matérias possíveis.

O calor tornava-se cada vez mais intenso e esta nova percepção das coisas levou-o a sorrir como nunca o havia feito. A paz agora sentida era algo absurdamente belo, como se dentro da sua existência se tivesse estabelecido uma nova vida. 

Voou até ao quarto e sem se dar conta, apareceu vestido. O mundo parecia ser só seu, com o vendaval de acontecimentos que se sucediam.

Entretanto estava preste a dar-se uma nova revelação.