sábado, 22 de maio de 2010

019 obsessivamente o mar

Ao recordar aquela data longínqua e a mão a deslizar pelas costas suadas de uma outra mulher que amou, já não sentia saudades da inocência que o fez gastar vidas sem fim, como se fosse uma horda de gatos consecutivamente aniquilados para perpetuar a sua estupidez. Agora que se passeava pelos cantos sujos de uma cidade onde tal gesto podia dar prisão, aproveitava para acariciar a mão pouco macia da mulher com quem ganhara uma nova vontade de viver.

Era-lhe fundamental estar perto do mar, como se essa aragem proveniente das profundezas do mar, ali disponível lhe revigorasse a alma, enviando estímulos para o corpo inteiro que faziam desaparecer as energias nocivas que se acumulavam dentro de si, em menos de nada. Porventura poderia transformar-se num demónio, tanto era o rancor e desejo de vingança que o possuíam. A luz raramente descia das montanhas para lhe apaziguar os momentos de puras trevas e deixava-se deambular pelas zonas proibidas da cidade pacata que o vira nascera alguns anos antes.

As paixões foram-se sucedendo e com as frustrações acumuladas o racismo sobreveio e apenas lhe apetecia pensar no mar como destino talvez trivial de quem apenas quer viver. 

Não, essas memórias de uma mão suada pelo contacto com a pele de uma mulher já amada não passavam de mero envolvimento com seres daqueles que gostam de distinguir o sumo da essência carnal da alma sem fim, de ganhar tempo desnudando o corpo antes de se deixar envolver pela água do mar.

Se tivesse visto aquela onda gigante ficaria privado daquela excitação primitiva, sempre no seu pensamento. Certa era a alucinação que lhe percorria a alma não deixando dúvidas em relação ao motivo pelo qual deixava de se entregar, amar sem reservas e ter sessões ejaculatórias como tinha quando era virgem, apenas com a vantagem de distinguir em alta definição e na carne quem lhe chupava o sexo, saber de cor o sabor da decadência que lhe poupava o sofrimento dos dias vazios.

Em dias mais cinzentos, em que tomado por um acesso de loucura momentânea fugia de casa para mendigar às portas dos ricos, sentia como uma espécie de liberdade, poupando as facas que trespassavam todos os sonhos que ainda assim lhe davam a lembrar que o corpo funcionava e respondia de forma satisfatória aos caprichos da vida, enquanto ia distinguindo as sucessivas ondas gigantes que atormentavam a sua vida.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

018 solidão primitiva

Em dias normais o corpo pedia para dormir, só que já eram raros os dias em que a cabeça distinguia o que era normal da sucessão de planos disparatados que pouco ou nada acrescentavam ao seu conhecimento. Sempre ouvira dizer que o corpo humano pede movimento, que foi feito para agir e comunicar com outros corpos humanos, porém o assunto premente era descobrir o porquê da eterna insatisfação com o curso da vida, algo que resolvia isolando-se e mostrando uma má cara, angustiante para quem o rodeava. Era possível que essa solidão fosse algo de primitivo, que pertencesse à sua alma, entre cada encarnação.

Já passava muito da meia-noite e as cervejas que bebera muitas angústias delapidaram. Enquanto isso o pé direito carregava a fundo no acelerador sem sequer se preocupar com o nível de alcoolemia. A seu lado a namorada de curta data cantava-lhe algo de uma canção de amor igual a tantas outras e afinal chegava sempre à conclusão que todos os homens são iguais e que a fortuna de ter uma vagina se resumia aos orgasmos múltiplos, aos filhos e a dançar, todas as outras coisas eram puro castigo para a mulher. Depois chorava, enquanto urinava o produto da sua bebedeira juntos dos Paços do Concelho, apoiada no braço direito dele. Claro que este era um momento raro em que o seu coração dilacerado se opunha à triste constatação de ter sido usada por um homem que amara sem qualquer tipo de condições, apenas amor incondicional, cuja paga fora o desprezo e a violência.

E ao longe havia sempre uma Operação STOP em que a polícia pedia a carta de condução e que se soprasse no balão. Eram momentos de emoção, o que revelava bem o seu estado depressivo e a dificuldade que tinha de fazer das noites um momento de prazer, já que os dias eram negros, apesar do Sol, sem condimento apesar das comidas elaboradas que ela fazia para todos.

Os pesadelos, cada vez mais absurdos, sucediam-se vertiginosamente e nem o facto de ter a possibilidade de se saciar sexualmente como mandam as regras heterossexuais, o acalmava. Isso punha-o triste, com a falta de sentido que a vida tinha assim, tudo oco, algo que o perseguia incessantemente como se fosse o derradeiro dos Oásis onde pudesse deixar esquecida a solidão.

Quando as noites estavam quase no fim e a ressaca começava a ter os seus efeitos deitava-se quase sempre sem vontade de foder, como se o caminho para outra dimensão fosse a meta desejada.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

017 noites de temporal

Os dias passavam, consecutivamente com planos de um futuro não muito exigente, em que algumas decisões simples se encavalitavam numa suposta liberdade de movimentos que impediam a concretização de outros sonhos, tornando a realidade uma confusão para os sentidos, ainda jovens, gastos de tanta decepção.

As noites nem sempre foram de pesadelos, algumas vezes, talvez na adolescência, sujava os lençóis depois de copular com as mulheres nos seus sonhos. Isto acontecia-lhe quando ainda era virgem e os trovões apenas lhe tornavam o sono mais pesado. A confusão de sentimentos tinha destas coisas insanas, eram mulheres que lhe devoravam o sexo, mesmo sem cara, o desejo dos seus corpos apenas imaginado e depois nem eram precisas as revistas feitas a pensar em sessões contínuas de masturbação, jovens entesoados com borbulhas mal espremidas, desviados da suposta normalidade, que cada vez menos o é.

Era possível que em noites de temporal todos sonhassem com corpos femininos e que encostado aos seus pensamentos estivesse sexo a queimar o seu próprio sexo. Houvera sido educado quase na ignorância e o sub-consciente pregava-lhe estas partidas. Claro que as mulheres sonhariam com os homens, mas um casal de ambos os sexos só é coisa normal no reino animal para fim exclusivo de reprodução, nos humanos parecia que tinha deixado de fazer sentido.

Por maior que fosse a cama havia sempre um qualquer problema em aceitar a solidão, uma tentativa de aceitar que aquela maldição de vir a passar os dias consigo mesmo o levasse para dentro do manicómio, cujo parque de estacionamento conhecia tão bem. Lá dentro ter-lhe-iam dado as substâncias químicas adequadas para depois se passear semi-nu pelas ruas mais próximas e ser alvo da chacota dos loucos sem prescrição.

A pressão tem destas coisas, porque afastar-se da namorada o levava para as trevas profundas de onde só poderia sair um homem mais atormentado.

Sabia-lhe bem aquela espécie de rotina que tinha com as filhas dela. algo que diziam ser errado apenas porque o pai verdadeiro pertencia àquela estirpe de homens cuja palavra demolidora valia sempre mais que a ausência de actos concretos. Quem lhe dizia essas coisas não podia saber do desejo que se consumia e lhe destruía uma alma que já tivera outras tempestades furiosas, sempre em encarnações passadas. Se acreditasse em Deus decerto que nesta teria muito que se confessar, pela inércia e orgulho que lhe consumiam o bom-senso sem que que se apercebesse da pulsão suicidária que se libertava do medo que a amarrara anos a fio.

Em noites de temporal lembrava-se de abraçar com força uma mulher que já nem era memória.

terça-feira, 18 de maio de 2010

016 no vale do absoluto desasossego

Era tarde, os olhos abertos a uma hora daquelas e sentir apenas os mosquitos como companhia não lhe augurava que o dia seguinte viesse a ser preenchido com a dose mínima daqueles conselhos de esperança que passavam a vida a dar-lhe.

Antes fosse verdade que aquela fotografia que vira num cemitério do seu país fosse de algum irmão perdido e que no meio de alguma tempestade pudesse morrer para o procurar na dimensão paralela onde vagueavam as almas penadas. Isto se ainda não tivesse reencarnado num qualquer animal, racional ou não. Eram apenas conjecturas que não alteravam os cabelos brancos e a fonte intensa de vazio que brotava do seu coração. Para quê mentir se a vida na forma de felicidade alcançada não passava de algo que só poderia alcançar por via da morte? O último dos sossegos, alcançado no sopé da montanha que avistava da sua janela, apesar de por lá não existir qualquer cemitério ou portal para um mundo diferente, sem angústia, buracos negros que apenas apressavam um destino baseado nas trevas. 

Seria possível acreditar que sem nunca ter vivido no meio de uma guerra se sentia obcecado pela ideia do sofrimento generalizado ao ponto de estar sempre a tingir o ponto de ruptura? Havia dias em que corria para a casa das cortinas vermelhas como se destruir aquele pesadelo fosse o essencial para se entregar de vez a uma vida normal. O corpo esse permanecia inerte, como se os fantasmas fossem mesmo verdadeiros e a primeira comunhão tivesse mesmo existido, embora sob a forma de uma qualquer cerimónia invertida no seu sentido litúrgico.

Eram pensamentos a mais para a vida simples que pretendia e decerto que teria que continuar o tratamento com os químicos, viciantes, porém necessários. Por isso e porque a cabeça se ressentia do esforço absurdo a que se sujeitava, ia-se esquecendo dos passos importantes que eram imprescindíveis para uma vida com um mínimo de qualidade. Ia-se deixando dominar por um sentimento de absoluta passividade em que nem a dormir conseguia encontrar a paz desejada. A namorada, essa vivia os seus tormentos do final de uma relação, algo que o fazia pensar ser um puro castigo, essa cena de ter de arcar com vidas de seres que apesar de tudo tinham a sublime capacidade de ser felizes no meio da desgraça que se abatia inclemente. Eram seres afortunados de quem ele não queria fugir.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

015 um povo melancólico

Causa estranheza que um povo tão fustigado pela miséria ultrapasse essa dor com boa disposição. Terá sido esse o propósito da passagem de Jesus pela Terra, sobretudo o aproveitamento do seu carisma enquanto homem, transformado em divino com os lucros por demais evidentes, sem outra intenção melhor de a de amansar as multidões pelo medo do que possa acontecer depois da morte.

Assim lhe passavam estas ideias na cabeça e o sentido revolucionário perdido num vácuo sem sentido. Isto para que a rebobinação do disco enfiado às três pancadas, na sua cabeça, decorresse sem que se desse qualquer incêndio inesperado. Mas o seu interesse não se fixava nas influências de Jesus nas alegrias de um povo pouco abastado materialmente, antes nos actos que praticava, quase sempre sem reconhecimento imediato, quase sempre motivo de uma inveja qualquer.

Tocava-lhe no fundo do coração uma melancolia que se desprendia dos desejos por cumprir, de seres pouco prováveis, como se a falta que alguém faz tivesse que ser manifestada apenas pelos extrovertidos. É óbvio que só chega a essa conclusão quem olha para o infinito e se esquece de um mundo aqui bem perto do corpo, da alma e mesmo do sangue sem que a família tenha que ser compatível no ADN.

Apesar do pesar que transbordava do seu rosto, era um turbilhão de sentimentos que apenas o angustiavam ainda mais. Resolvia tudo, sentindo-se desejado, útil e amado. Era sempre um tónico importante para abandonar as ideias suicidas que de vez em quando lhe atolavam o pensamento.

E quando se recordava da sua terra, onde fora criado com o amor possível, era-lhe impossível sentir apenas repulsa, não pela língua que se ia evaporando da sua boca para um qualquer buraco negro, mas pelas pessoas que faziam que faziam parte de si para além do corpo e das desejadas sessões de sexo. E esse amor que tão ausente ficara do seu corpo fora um dos motivos para a fuga, esquecendo-se de cumprir a vontade aos pais de ter um emprego seguro em tempos difíceis, como se alguma vez alguma coisa se tornasse fácil perante a sua intransigência.

Voltar seria pelo hábito da bica e do copo com água que se perdera algures no tempo e decerto que a dieta programada iria pelo cano abaixo ao regressar ao país dos acidentes vasculares cerebrais. Talvez fosse melhor relembrar os especialistas que antes de mudar esses hábitos haveria que castigar o desprezo do ser humano pelo seu semelhante nas sociedades ditas democráticas.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

014 lugar de desespero

Porém esse menino não era de todo provável que fosse seu filho, podendo ser mais uma das eternas chantagens de uma das mulheres que ele tratara como mero objecto sexual. Não que agora fosse alguém conhecido e tentasse tirar partido disso mas tão somente fazê-lo acreditar na tese da bruxaria que o puxava para o fundo de um poço de infinita amargura.

Era neste lugar de desespero que costumava deitar-se quando a obsessão pelas cortinas vermelhas atingiu o seu auge. Depois aparecia a filha mais pequena da namorada e com um mero sorriso conseguia fechar aquele compartimento negro que crescia dia após dia. Mesmo não sendo sua filha adoptou-a espiritualmente sabendo perfeitamente os riscos que podiam advir dessa atitude.

Entretanto a noite caía e uma longa caminhada fê-lo embrenhar-se numa floresta onde tudo lhe parecia conhecido, pelo que avançava com cuidado para que os ramos cansados de uma qualquer árvore envelhecida não lhe trespassassem o corpo, que tanto ansiava morto como a vibrar da vida que tentava incutir a si próprio.

Parou e resolveu nem olhar para trás. Os olhos marejaram-se das lágrimas perdidas em abismos passados e um medo inexplicável bloqueou-lhe o movimento dos braços e das pernas, como se o seu Apocalipse estivesse prestes a acontecer. Mas voltou a fechar os olhos voltando ao centro da cidade, perto da casa daquele homossexual que lhe difamou a honra com mentiras inimagináveis. Pensava que o mundo seria bem mais saudável sem a presença desse intriguista de meia tigela.

Nunca conseguiria deixar de se sentir um estrangeiro, mesmo quando se sentava procurando um qualquer sentido para os seus sonhos que decerto seriam melhor definidos como pesadelos. Alucinado ou não conseguia adaptar-se à luz e às trevas, mas a vida ia-se tornando uma doença sem cura para além da morte e por isso ia evitando o sorriso de circunstância, como se o ar sério que lhe habitava o rosto fosse uma espécie de auto-velório nunca desvendando os desejos quase amargurados de vida e compaixão por quem necessita, seja pobre, ou no mínimo, agente activo de uma conspiração em que apenas é permitido viver e ser feliz.

Já não lhe preocupava a solidão, a afectação e as formas de a ultrapassar passavam a ser a parte principal das questão. Nem assim conseguia explicar porque tinha amor por quem quer que fosse, quando a vontade de renovação se entranhava e passava a fazer parte do corpo.

terça-feira, 4 de maio de 2010

013 madrugadas de terror

As cortinas vermelhas haviam feito parte de uma fase da sua vida em que procurava por todos os meios fugir a uma solidão provocada por uma sucessão de erros em que chegava a duvidar das suas próprias apetências sexuais. As mulheres eram o seu templo e o seu inferno, qualquer relação apenas parecia fazer sentido como amizade, quase como se fosse perceptível alguma repulsa que ele nunca chegaria a entender.

Por isso imaginava um mundo diferente em que faria o papel delas e se entregaria a um qualquer homem, sem cara nem desejo. Porém tudo não passava de uma fantasia cruel que apenas lhe amargava mais os dias agudizando-se o sentimento de rejeição advindo de paixões inconsequentes.

Nesse tempo as noites eram passadas entre pesadelos e dores de cabeça violentas. O stress agudizava-se de dia para dia e nem a masturbação servia como escape satisfatório para uma vida em que a única novidade eram os primeiros sinais de hipertensão. Nem por isso largou as batatas fritas com sal ou as misturas de refrigerantes com vodka, dir-se-ia que a situação deteriorou-se dramaticamente e só faltou acompanhar essas sessões de auto-abandono com  algum tipo de droga inalada, mas a solidão e alguma noção de vergonha impediam-no de sair à rua e procurar pela via sacra que levaria a uma cruz invertida e sem salvação.

A situação melhorou quando se rendeu aos anti-depressivos, acompanhados de água. Registou-se alguma euforia e estabilidade emocional, tudo situações provisórias tendo em conta outro tipo de fantasias complementares que incluíam sessões de carnificina brutal sem perspectivas reais de algum tipo de punição.

As noites consumiam-lhe um coração em chaga aberta fazendo-o acordar suado e encarara a realidade com dureza total. Resolveu o pesadelo de olhos abertos no dia em que cedeu às investidas de uma mulher ainda mais atolada em problemas do que ele. Nem por isso as noites passaram a ser de mais prazer porque os sentidos estavam condicionados pela posição oficial do patrão que pensava nele como lixo, um pouco como todos os patrões pensam ser os seus empregados.

Doíam-lhe os olhos de cada vez que o Sol se punha atrás da montanha ou engolido pelo mar, tudo dependia da latitude ou das memórias guardadas de uma tarde de sexo intenso que qualquer dia lhe deixaria uma prenda pouco apreciada.

Anos mais tarde e sem saber o porquê receberia no correio fotos de um menino louro, olhos cor-de-mel que provocaria a ira da sua mulher, com uma predestinação natural para o conflito e criação de teorias da conspiração que foram o início das noites mal-dormidas.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

012 uma infância doente

Podia escapar-se para aqueles contos fantásticos que povoavam a imaginação de alguns escritores ou simplesmente enredar-se no exército de micróbios que o atacaram na sua infância.

Não é que as coisas tivessem um rumo grave, mas as moléstias daquelas doenças infantis que faziam grávidas fugir em estações de comboios apinhadas, deixaram as suas sequelas na vontade de faltar ao trabalho, já depois de adulto. Trabalho sempre remunerado, utilizando as adversidades como uma terapia de onde se extraíam os podres da sua existência, por vezes vergonhosamente amorfa.

No rádio escutava as notícias da gripe do momento, os conselhos do especialista convidado, seguindo-se a visita ao pediatra, careca natural, com uns óculos daqueles ultra-graduados, sempre com a pose afectada de comerciante sem escrúpulos escondida numa ainda menos natural capa de cordeiro algo dura, quando a realidade prenunciava mais e mais tempestade.

A questão que se punha nos tempos de infância não se devia resumir à bomba de oxigénio que lhe foi posta no hospital, onde as baratas faziam de melhores amigas. 

Causando confusão o seu cabelo louro e ondulado, alguém o raptou, embora as memórias se resumam a um pão com manteiga e um vão de escadas de um prédio nos subúrbios da capital, ainda pouco habituada aos brutais engarrafamentos dos acessos à ponte dos cravos e do fascista. 

Sim, era-lhe permitido ter memórias apesar de escassas as sementes fecundadoras, talvez de desejo, seguramente de um vazio preenchido pelas vãs propostas dos subliminaristas do sistema, detentores de uma profissão que jamais sucumbirá a qualquer crise, com a natural excepção do período em que o Sol se começar a expandir.

Quem pense que a sua vida triste não era a espaços injectada de um qualquer ânimo vindo não se sabe bem de onde, só pode ser ele próprio um natural equívoco da natureza, da qual se alimentam os donos das consciências, naturalmente, predestinadas.

Pudesse ele escolher e decerto que a infância seria dotada de outras nuances, porventura mais ocas, assimilando melhor a capacidade incrível que nasce com alguns de aceitar essa finitude de que também é dotada a alma humana. Jamais se pense que todas as almas são eternas. Assim o pensava, na sua angústia e inquietação, como que a pedir que, quando crescesse, não tivesse a estranha sensação de estar sempre a passar pelos mesmos momentos de solidão, obtusas incompreensões embutidas numa rotina que talvez interessasse a um corpo morto, acrescentando o cheiro fétido da decomposição.