domingo, 17 de abril de 2011

062 as casas da vida

Ao abrir-se, apenas o silêncio e apesar do conteúdo provocar uma ensurdecedora tentação, Arturo olhou para dentro, a escuridão total tomou conta dos seus sentidos.

Ouviu-se um violento estrondo e uma luz acendeu-se de novo. Olhou para cima e viu todos os desejos da sua vida incrustrados no reverso da porta do cofre.

Já nada era dourado ou incitava à curiosidade. Ao seu lado Flor e as quatro filhas seguiam como se fossem o braço direito de um homem recentemente iluminado pelo perfeito desconhecido. Mas Arturo não queria que elas o acompanhassem na aventura mais perigosa da sua vida.

Estalou os dedos e deu consigo na primeira casa onde vivera, muitos anos atrás, na maternidade, onde um bébé nascia após algumas complicações e termos de responsabilidade para tapar a incompetência dos funcionários do hospital. Ali ao lado via-se a ele próprio. A mãe, em absoluto delírio chamava pelo filho, as enfermeiras dividiam-se entre a compreensão e os gestos de puro afecto, a brutalidade própria apenas de quem pensa. Quando viu a jovem mãe a olhar directamente para ele, aproximou-se e sentiu que nenhuma loucura a afectava, apenas tinha uma mensagem que urgia transmitir-lhe.

'Apesar das maldições e bruxarias que te lançarem serás o escolhido pelo bem e pelo mal. No fim de todas as guerras elevar-se-á uma nova modalidade de crença: a loucura.'

Afastou-se e a mãe voltou ao normal. As enfermeiras seguiam à mesma, iguais na delicadeza e bestialidade.

Fechou e abriu os olhos e apareceu-lhe uma nova casa onde uma familia se digladiava em discussões sem sentido. Ao mesmo tempo um ser que parecia não ter nada a ver, chorava. Arturo fixou-o e este devolveu-lhe o olhar.

'Paz, apenas a paz dos justos que o sangue se me gelou e a alma ficou aqui presa'

E perante o fantasma, que parecia de carne e osso, prometeu a viagem final da sua alma já cansada de estar agrilhoada.

Fechou e abriu os olhos e sentiu vários beijos de bocas com o ódio amansado. Deliciado, deu-se conta das mulheres que lhe apareciam nos lábios. Apenas o êxtase que terminou num segredo sussurrado.

'Nunca será feliz na vida, nem quem tu amas será bafejado pela sorte. Culpa os os anjos e os demónios, mas nunca desdenhes os corpos sedentos de amor que te queiram consumir'

Era então uma espécie de loucura o que o afectava com aquela sucessão de casas, que mais não eram que todo o seu passado e todos os seus tormentos por demais explicados, jamais resolvidos.