segunda-feira, 19 de abril de 2010

011 ébrios amigos

À noite todos os animais saem à rua, não só era o título de uma música da banda sonora do 'Taxi Driver', como uma verdade que se revesti de muito álcool, que fazia desaparecer muito mais que meras inibições, sobretudo o bom senso e a falsa questão do amor que era consubstanciado pela violência gratuita. Claro que as coisas nem sempre são assim e é lógico que haja diferenças ao contrário do que as pessoas gostam de dizer, ou tudo ou nada, uma vez filho da puta para sempre filho da puta.

Ele lembrava-se das noitadas em que as misturas sucessivas de bebidas alcoólicas resultavam num violento exercício de agonia para o estômago, mas sobretudo para o parco equílibrio da cabeça, que pagaria as profundas idiotices com que se digladiara.

Nessas noites de desiquilíbrio foi-lhe dado a conhecer um novo amigo, uma espécie de desdobrável que se auto-reparava, tornando-se virtualmente invencível. Quase que se esqueceu daquelas pequenas coisas que só a sua mulher lhe dava, quando na primeira bebedeira juntos as bocas se encontraram sem nojo, preconceito ou confusão. Claro que foi apenas um breve momento que nada mais queria dizer que da profunda amizade que os viria a unir. Algo indestrutível os seguiria, cada um com a sua família, fossem os filhos verdadeiros ou meramente espirituais.

Apenas se lembrava das luzes vermelhas e das garrafas de brandy vazias, enquanto se ouviam sirenes de ambulância e a confusão natural provocada por gente pouco habituada a conviver em harmonia com o meio envolvente. 

Esses foram os tempos ambíguos em que perdeu o seu tempo com os excessos de álcool, que nos dias que correm o minam de tal forma que chega a adormecer em cima da sanita, enquanto fuma sem garantias de que um dia não possa ser parte das estatíticas de morte por inalação de fumo. E apenas será identificado pela perfeição das dentadas excitatórias da sua fêmea, um pouco pelo corpo todo.

Claro que o estado ébrio é acompanhado pela sua mulher, tornando-se as noites de sexo a perdição do sono pouco apurado dos vizinhos do lado, pais de sete foliões, netos e talvez bisnetos para encher de alegria todas as ocasiões.

Haja decência na descrição dos actos de perversão e dos contextos sem crise onde a qualidade nem sempre é passivel de consideração quando se vive num intenso capitalismo selvagem.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

010 as uvas de setembro

Numa altura em que se tornara in escrever quase tudo em letra pequena, como que a vangloriar o facto de estarmos aqui por estar e tal e coisa, vinha à sua memória uma  gloriosa viagem pelo Douro, no Verão, pouco antes das vindimas. 

Era-lhe desconhecido o prazer inolvidável do mês de Setembro, como se vivesse incompleto sem sequer perceber o porquê. Nem se tratava de uma viagem em homenagem a alguém, apenas umas férias irrepetíveis que desembocaram na casa de uma prima afastada que tinha vindo do Porto, daquele verdadeiro, sem a irritante pose inglesa que por defeito da língua o chama de Oporto. E, claro, que alguns anos depois se lembrou do travo doce do delicioso néctar antes de este entrar na fase final da produção.

Setembro até nem estava longe, mas as videiras a perder de vista e os sorrisos despreocupados dos seus pais eram factor de estabilidade emocional acrescido, mesmo sabendo que o mundo que o rodeava era uma espécie de Twin Peaks em potência e que a famosa cena da jovem morta a dar à costa, devidamente embalada, uma mera questão de tempo e oportunidade até chegar e acontecer no mundo em seu redor.

As uvas de Setembro também podiam ser vistas como a génese de muita violência provocada pelo excesso de consumo.  Claro que essa parte deveria fermentar de outra forma nesta história e que o desencantado silêncio dele perante quase todos os que o rodeavam era apenas interpretado como sendo parte de uma vulgar questão de tempo até demonstrar o verdadeiro monstro que todos têm dentro de si. 

Já nem sabia se devia sorrir ou lançar algum cocktail Molotov para queimar ideias que de tanto serem inventadas passavam indiscriminadamente a verdade. 

Entretanto a vida continuava, tanto com ideias de matar, caso tivesse que voltar à soilidão, como de constituir família caso fosse amor o que o rodeasse.

Para o único que sabia qual o destino a dar àquelas uvas, daquela videira em especial, era necessário estender uma passadeira, talvez de cortiça, porventura polvilhada com os destroços de uma fronteira que, como sempre, se evaporara de forma quase surpreendente, abatendo algumas agonias e glorificando sonhos que bombeavam sangue menos impuro para o coração. Eram tempos em qualquer pormenor de felicidade evitava o vazio.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

009 um violento exercício

Seria mais fácil fechar os olhos e fingir que os planos feitos anos a fio não eram mais do que ilusões saídas de algum conto de Charles Dickens, sem a moral final e com fluídos corporais que desapareceriam com uma e outra lavagem.

A filha da namorada que era um pouco mais nova tinha dentro da sua mente pensamentos pouco próprios que o assustavam frequentemente. Não lhe seria possível imaginar que aquele ser provido de uma mente algo diferente da sua idade de menina , pudesse pôr termo à vida quando ele tinha planos iguais aos que teria para uma filha do seu sangue. Os traumas eram parte de experiências pouco agradáveis que desembocavam em violência doméstica, tema que o havia dominado com a família da ex-mulher cujo pai era um exemplo prático da cobardia dominante em pessoas abjectas e com um percurso de vida ainda mais abjecto.

As facas eram tema proíbido, tanto a namorada como aquela filha em espcial tinham especial terror pelo seu uso. Tornava-se então preciso estabilizar um presente feito de dúvidas e incertezas em que o antigo marido fazia parte activa, omnipresente nos pensamentos e num amor que funcionava com dualidade de critérios.

E depois das sucessivas tempestades e curtas bonanças o cansaço teimava em não aparecer restando uma eterna vontade de fazer correr a vontade de viver no sangue daquelas duas mulheres indelevelmente ligadas.

Tornar-se-ia um violento exercício voltar a ver crescer uma relação com o fantasma do suícidio presente e ele dispunha-se ao sacrifício das suas apetências algo mesquinhas a fim de se dedicar a incutir vida em doses maciças em que corações, que era revoltante terem que sofrer. Crianças eram apenas crianças e dentro das suas cabeças o crescimento era feito à base de amargura e decepção.

Mas as suas filhas eram quatro e em conjunto eram parte de uma alma que apenas aprendia a ser feliz, como podia. Assim sendo as festas, que obrigariam a provocar uma quebra de silêncio, eram parte do exorcismo combinado em segredo por entidades misteriosas que apenas tentavam inculcar alguma estabilidade naquelas vidas.

Enquanto isso anunciava-se mais um lançamento de uma bomba atómica no subsolo chinês.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

008 horizontes malditos

Dificuldades, apenas dificuldades para alcançar um simples objectivo.

O céu estava quase azul, porém as poucas nuvens presentes dominavam o horizonte. Prenúncios de algo pior que a morte que a vida sem alcançar um pouco da convivência salutar que se diz obter da sociedade é um pouco como viver a quinze quilómetros de profundidade, no desconhecido.

Recebera um telefonema a anunciar a ida para a nova casa pelo que os dias das cortinas vermelhas estavam contados. Já não havia nada a esconder, apesar do corpo nu e do silêncio que não era entrecortado por nada, como se os vagabundos tivessem sido engolidos por um horizonte maldito onde apenas os ditos puros sobreviveriam incólumes.

Pensava com mais força no desejo e no odor da vagina da sua namorada e a voz escapava-se pela estratosfera. Saía uma forma diferente de sorrir o que amenizava o terror latente que sobrevivia a todas as tentativas de impôr algum tipo de tranquilidade. Talvez fosse esse o problema, a falta de naturalidade e a necessidade de o corpo se satisfazer com algo mais que o perceptível. Por isso dispunham-se a diversas formas de drogas que permitiam apenas adiar o inevitável encontro com a vida real e suas costumeiras desilusões.

Claro que o problema estava muito para lá das questões carnais que ele pensava serem a melhor forma de ocupar a mente desgovernada que apenas se ocupava com a negritude de um mundo repleto de aparências. Ainda assim assomava-se ao espírito a necessidade do encontro de duas bocas que pudessem salivar de excitação, lábios de carne imensa que copulassem em magia branca sem adivinhações. Simplesmente desligar a televisão na altura das notícias e escutar aquela versão porno de uma canção que apenas se fez valer de uma razão quente para ganhar dinheiro.

E nos destroços de um horizonte de gente maldita havia sempre a forma mais eficaz de aproximar os seres através das formas primitivas de comunicação. Os cinco sentidos, sem aditivos, orgasmos e aperitivos que lhe permitissem pensar que para além do quarto das cortinas vermelhas estava algo mais que a memória de um vizinho que talvez tivesse viajado de novo para o seu país, a pretexto de saudades, com a segurança de nada mais lhe ser possível num país fechado à expressão natural dos direitos de um vulgar trabalhador.

terça-feira, 6 de abril de 2010

007 incontroláveis cidades

Voltou um pouco mais atrás nas memórias, tentando saber qual o sítio onde poderia acabar os seus dias, como um gato ferido, cansado de ser meigo e dos pontapés na alma que indecentemente recebia a troco de promessas de desprezo, quase sempre baseadas em sentimentos infundados, porque mentirosos.

Parava sempre no Castelo de onde a paisagem era uma floresta que ia ficando cada vez mais queimada a cada ano que passava, como se deus existisse mesmo e Sodoma e Gomorra se personificassem na extinção daquele paraíso.

Era-lhe fácil fechar os olhos e lembrar-se daquela vez em que outra das mulheres dos seus sonhos reais respirava fundo sem que algo mais que o egoísmo suicida lhe aflorasse ao peito. Mesmo sem se deter nesse pormenor sentia um profundo vazio de cada vez que detinha o seu pensamento naquele pedaço de mundo repleto de memórias que o tempo teimava em não queimar. Certeza apenas a de que, no quarto em que estava voluntáriamente enclausurado, a escuridão tomava o lugar de uma luz efémera, consequência dos pecados e do profundo inferno sem chamas a que alguma entidade misteriosa o havia condenado pela eternidade.

Tudo se aclarava mais quando viajava para outros países, como se a passagem aérea fosse uma espécie de dimensão paralela que apenas servia para amenizar o desgosto sem causa aparente. Era nessa altura que os beijos lânguidos com que presenteava a sua namorada lhe sabiam mais a mel que a fel e que o desejo de construir as raízes que andavam perdidas nalguma escala imprevista aumentava a pontos de rebentar com a normalizada escala de valores, o que apenas provocava desconfiança e um absurdo descontrolo hormonal que excitava a sua parceira muito para além daquilo que ele sentia. Dir-se-ia que o sentido das vidas em questão teria sido moldado pela protecção dada pelas montanhas que rodeavam o destino, pelo rio falsamente pacífico que agonizava lentamente pela cada vez maior pressão urbanística.

No fundo da questão estava uma profunda vontade de reencontrar as raízes perdidas noutra encarnação tal a ténue memória obtida na correria a que era sujeito o corpo humano, cada vez mais envelhecido sem que o desejo fosse assim consubstanciado com sexo e fluídos intermináveis. Dir-se-ia que a culpa era das cidades por onde ia passando.

006 irmãos do abandono

O vulto seguia cambaleando e da sua boca disforme saíam bocejos e palavras perdidas que apenas pediam para não ser mau. Acompanhava-o uma garrafa de brandy barato, quase vazia, e a pouco metros já vinha um polícia de cassetete na mão pronto para qualquer deslize que ele cometesse.

Do lado de cá das cortinas vermelhas um telefone tocava e ao atender expandia-se a dor de alguém que apenas desejava passar os seus dias sem outra coisa que não as miseráveis discussões que versavam sobre ciúmes doentios, como se depois de velhos ainda houvesse lugar ao rancor de possíveis deslizes cometidos na adolescência.

Ele lembrava-se daqueles dois gémeos que viveram na rua onde foi criado, tempos em que, no rés-do-chão não faziam falta gradeamentos anti-roubo ou venda de droga porta a porta. E vinha-lhe um arrepio pela electrocussão de uma menina, mesmo à entrada do pulmão da grande cidade, num acidente brutal do qual apenas restaram as memórias eternas.

Mas depressa subia ao primeiro andar e ao emaranhado de fios da rede telefónica que absorvia qualquer vista. Notava que em frente já não morava o mesmo tipo que assistia à televisão de tronco nu enquanto num gemido quase imperceptível se sentia uma mulher, entre as suas pernas cumprindo a função do duplo prazer. Pelo menos sorria perante essa situação, enquanto uma lágrima furtiva se escapava perante as atrocidades que eram cometidas entre casais, sem motivo, com abandono da dignidade, como se a felicidade se resumisse a uma facada no coração, muito embora a satisfação sobreviesse perante as pancadas cada vez mais violentas num corpo, que devia ser de prazer. Ele não via assim a sua mulher, era apenas amor e desejo carnal sem que alguma vez fosse possível compartir isso com alguém.

Entretanto ainda mais longe do vulto conjecturava-se sobre uma discussão violenta entre dois irmãos que chegaram a vias de facto com facas de mato, mutilando vida sem que no final restasse outra recompensa que não a da pura amargura, pela morte indesejada ou pelo ódio acicatado que posteriormente viria a provocar arrependimento. Era necessário ir preso para que se desse a catarse necessária para uma reabilitação desejada, mas sem fazer o mais pequeno esforço para alcançar paz e amor sem as costumeiras ameaças de cobrança.

sábado, 3 de abril de 2010

005 antes da destruição

A moça tinha formas que convidavam aos piropos.

Um árabe assim educado, assim ludibriado disse algumas coisas na sua língua. A moça pediu-lhe com toda a indelicadeza possível que falasse na língua dela, vociferou o famoso nome contra a mãe, que leva sempre com as culpas todas, e o dito excitado meteu o rabinho entre as pernas e pôs-se a andar. Deu para sorrir um pouco e o desejo de viajar para onde a forma de ser de cada um nem precisasse de palavras se acentuasse.

Era por demais evidente que um dia o sangue jorraria e nem haveria diferença em relação às cortinas vermelhas que escondem outros árabes, convidando ao silêncio provocado por uma ausência angustiada de imaginação. Talvez o árabe pensasse que a forma como fora educado lhe permitisse obliterar o amor-próprio de todas as mulheres que visse por aí.

Entretanto conjecturavam-se planos para que os roubos que se avizinhavam se tornassem uma realidade e os governantes ganhassem algum tipo de vergonha na cara, no que dizia respeito aos seus desvios qualificados de dinheiro, que deixavam de poder ser utilizados em reformas quase sempre miseráveis, quase sempre de vidas, quase inteiras, de uma dedicação mais do que servil.

O vulto de formas perfeitas não era mais do que a filha da namorada por quem se dispunha a danificar o corpo de outrém sem que alguma investigação viesse a comprovar ser ele o culpado de alguma coisa.

Dirigiu-se à janela e acendeu um cigarro. Lá em baixo dois polícias algemavam um alcoólico amargurado com a perda de uma mulher que entretanto seguia numa outra rua ali perto, vestindo uma camisa com gola alta a tapar algumas nódoas negras. Dir-se-ia de amor, porque a educação de muitos apenas é exprimida com toda a força possível. Gente com o sangue permanentemente minado de álcool barato.

Em frente apenas janelas fechadas e uma intrincada teia de fios telefónicos que entupiam algumas linhas S.O.S., não sendo mera coincidência o aumento das forças policiais na zona. Talvez a intenção de repôr alguma identidade cultural fosse um motivo que os levasse a insistir naquela rua em particular, ou então alguém teria visto com bons olhos começar a salvação da humanidade naquele beco sujo, antes da destruição das almas impuras, que ao renascer depressa aprenderiam o vil tormento da destruição maciça do planeta.

Entretanto da rua via-se um vulto junto à janela da cortina vermelha.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

004 onde a vida se despede

A namorada, que ainda mantinha um casamento cujo divórcio iminente talvez lhe pudesse provocar uma morte violenta, desde sempre conheceu o quarto onde jazem as cortinas vermelhas, sem que o Sol ou as trevas expulsas pelas lágrimas pudessem ser algo mais que uma onomatopeia inimitável porque carente da necessidade dos movimentos básicos praticados por um ser humano. Ainda assim e depois dos lençóis que reconfortavam a vontade de amar um corpo, como se da morte do exílio se tratasse, sabia bem a distância entre os sonhos puros, os pesadelos e o suor que se transferia entre os dois onstítuindo-se como um momento de rara magia numa terra onde apenas tentavam iludir o paraíso oferecido aos olhos com a natural inaptidão para a prática de um pouco de humildade e de conversas para além das fábulas de mau gosto, estas, porventura mais obtusas que as novelas já gastas de tanto versarem as mesmas lágrimas e desejos encantados em palácios de cartão e bocejos entremeados com a costumeira estupidez que lhes saciava a inutilidade de uma vida sem alma.

Pudesse a vida despedir-se da imensa solidão dos tristes que a povoam que ainda assim se uniriam bocas, mesmo desavindas e o proveito sobraria para os mesmos de sempre, embora esse assunto o ignorasse ostensivamente.

Depois da visita à casa de um muçulmano que não cheirava mal, acentuava-se a vontade de progredir na alma estreitando relações com outros na sua situação de estrangeiro. Já se sabia que perto do rio, que falseava tranquilidade, um dia tudo mudaria e as fronteiras entre as leis do mercado com a qualidade indesmentivel do produto de trabalho poderão apenas ser uma forma de começar a pensar em roubar como forma de vida, uma vez que ser honesto é uma loucura sem sentido ao alcance dos fracos de espírito, isso e ter sexo com desconto por causa da crise, em vez de ser grátis pelo prazer, também serão maneiras de radicalizar os pensamentos rumo a situações descritas como vil terrorismo, um pouco como aquelas fotos de seis jovens explosivos criados à beira-mar com a ternura costumeira, tudo perfeito não fosse uma qualquer aparição que indicava o fabrico e posterior utilização de bombas como um mero desporto radical que porventura teria imensos adeptos a praticá-lo, espalhando-se os corpos pelos sítios mais incriveis que se pudesse imaginar.