terça-feira, 6 de abril de 2010

007 incontroláveis cidades

Voltou um pouco mais atrás nas memórias, tentando saber qual o sítio onde poderia acabar os seus dias, como um gato ferido, cansado de ser meigo e dos pontapés na alma que indecentemente recebia a troco de promessas de desprezo, quase sempre baseadas em sentimentos infundados, porque mentirosos.

Parava sempre no Castelo de onde a paisagem era uma floresta que ia ficando cada vez mais queimada a cada ano que passava, como se deus existisse mesmo e Sodoma e Gomorra se personificassem na extinção daquele paraíso.

Era-lhe fácil fechar os olhos e lembrar-se daquela vez em que outra das mulheres dos seus sonhos reais respirava fundo sem que algo mais que o egoísmo suicida lhe aflorasse ao peito. Mesmo sem se deter nesse pormenor sentia um profundo vazio de cada vez que detinha o seu pensamento naquele pedaço de mundo repleto de memórias que o tempo teimava em não queimar. Certeza apenas a de que, no quarto em que estava voluntáriamente enclausurado, a escuridão tomava o lugar de uma luz efémera, consequência dos pecados e do profundo inferno sem chamas a que alguma entidade misteriosa o havia condenado pela eternidade.

Tudo se aclarava mais quando viajava para outros países, como se a passagem aérea fosse uma espécie de dimensão paralela que apenas servia para amenizar o desgosto sem causa aparente. Era nessa altura que os beijos lânguidos com que presenteava a sua namorada lhe sabiam mais a mel que a fel e que o desejo de construir as raízes que andavam perdidas nalguma escala imprevista aumentava a pontos de rebentar com a normalizada escala de valores, o que apenas provocava desconfiança e um absurdo descontrolo hormonal que excitava a sua parceira muito para além daquilo que ele sentia. Dir-se-ia que o sentido das vidas em questão teria sido moldado pela protecção dada pelas montanhas que rodeavam o destino, pelo rio falsamente pacífico que agonizava lentamente pela cada vez maior pressão urbanística.

No fundo da questão estava uma profunda vontade de reencontrar as raízes perdidas noutra encarnação tal a ténue memória obtida na correria a que era sujeito o corpo humano, cada vez mais envelhecido sem que o desejo fosse assim consubstanciado com sexo e fluídos intermináveis. Dir-se-ia que a culpa era das cidades por onde ia passando.

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