sexta-feira, 16 de abril de 2010

010 as uvas de setembro

Numa altura em que se tornara in escrever quase tudo em letra pequena, como que a vangloriar o facto de estarmos aqui por estar e tal e coisa, vinha à sua memória uma  gloriosa viagem pelo Douro, no Verão, pouco antes das vindimas. 

Era-lhe desconhecido o prazer inolvidável do mês de Setembro, como se vivesse incompleto sem sequer perceber o porquê. Nem se tratava de uma viagem em homenagem a alguém, apenas umas férias irrepetíveis que desembocaram na casa de uma prima afastada que tinha vindo do Porto, daquele verdadeiro, sem a irritante pose inglesa que por defeito da língua o chama de Oporto. E, claro, que alguns anos depois se lembrou do travo doce do delicioso néctar antes de este entrar na fase final da produção.

Setembro até nem estava longe, mas as videiras a perder de vista e os sorrisos despreocupados dos seus pais eram factor de estabilidade emocional acrescido, mesmo sabendo que o mundo que o rodeava era uma espécie de Twin Peaks em potência e que a famosa cena da jovem morta a dar à costa, devidamente embalada, uma mera questão de tempo e oportunidade até chegar e acontecer no mundo em seu redor.

As uvas de Setembro também podiam ser vistas como a génese de muita violência provocada pelo excesso de consumo.  Claro que essa parte deveria fermentar de outra forma nesta história e que o desencantado silêncio dele perante quase todos os que o rodeavam era apenas interpretado como sendo parte de uma vulgar questão de tempo até demonstrar o verdadeiro monstro que todos têm dentro de si. 

Já nem sabia se devia sorrir ou lançar algum cocktail Molotov para queimar ideias que de tanto serem inventadas passavam indiscriminadamente a verdade. 

Entretanto a vida continuava, tanto com ideias de matar, caso tivesse que voltar à soilidão, como de constituir família caso fosse amor o que o rodeasse.

Para o único que sabia qual o destino a dar àquelas uvas, daquela videira em especial, era necessário estender uma passadeira, talvez de cortiça, porventura polvilhada com os destroços de uma fronteira que, como sempre, se evaporara de forma quase surpreendente, abatendo algumas agonias e glorificando sonhos que bombeavam sangue menos impuro para o coração. Eram tempos em qualquer pormenor de felicidade evitava o vazio.

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