segunda-feira, 7 de junho de 2010

020 insuportáveis noites de novembro

A concentração tornava-se um martírio quando chegavam as chuvas mais intensas. Suportar aquela cama de casal sem companhia tornava-se um exercício quase penoso que, invariavelmente, terminava com despertares em estado de pura angústia. Às vezes o suor caía pelo rosto sem que sequer se atrevesse a mexer, não fosse algum daqueles possíveis fantasmas a revelação dos seus medos mais profundos.

Por vezes pegava numa caneta e tentava fazer um organograma que se tornava interminável tornando-se as pessoas, que nele deviam estar, descritas como meros clones de demónios para os quais não havia exorcismo possível.

Era possível que enquanto Novembro durasse o acompanhassem as brutais enxaquecas, pelo que se foi tornando cada dia mais alucinado. Os comprimidos para a depressão crescente limitavam-se a secar as lágrimas e a controlar uma fúria desmedida que exercia quase sempre contra si mesmo, e ia piorando todos os dias.

Nesta fase da sua vida recuperava de um acidente de automóvel que lhe custou muitos meses de vida, numa altura crucial em que estava prestes a tornar-se efectivo na empresa onde tentava demonstrar a qualidade do seu trabalho sem que os seus chefes se preocupassem ou tomassem como exemplo os bons resultados obtidos antes da fatalidade.

Mas outros Novembros se seguiriam, sem os comprimidos, talvez com a noção de que as coisas deviam ser feitas com tacto, por isso encarava como castigo que a namorada lhe pusesse na boca palavras obscenas que ele não sentia, sendo-lhe impossível admitir que as tivesse proferido.

Seria tudo mais fácil se arranjasse a coragem suficiente para se suicidar, porém quanto mais pensava no assunto mais lhe vinha à memória a gente no mundo que o amava, sem falar no presente, um sombra que se escapava e o fazia pensar que a coragem era permanecer vivo.

Era então o tempo dos desamores que o levavam a pensar emigrar para o hemisfério sul, num daqueles paraísos onde era sempre Verão e o clima a vários quilómetros de altitude se dilacerava tornando a presença de artefactos e vida humana uma aventura com destino pouco feliz. Pelo menos as estatísticas não mentiam, tanto para o bem como para o mal.

Outras vezes, de sorriso estampado, num rosto cansado de não sorrir, viajava por mundos infinitos de paixão absorvendo energias que invariavelmente se transformavam em momentos positivos criando uma barreira protectora que impedia as almas penadas de se juntarem com os seus falsos propósitos a um ser predestinado a algo mais que uma possessão demoníaca.

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