sexta-feira, 11 de junho de 2010

021 cinzento amanhecer

Descobrir qual a sensação de um amanhecer sorridente, inócuo e sem preocupações, eis uma espécie de missão que se afigurava impossível. Previsivelmente a solidão evitava discussões, porque as paredes têm ouvidos mas boca só em filmes de ficção cientifica. Então porque não coexistia com o seu envelhecer uma fórmula oca de felicidade que tão bem se adaptava a tanta gente que conhecia? Era algo que o deprimia ainda mais, apesar de se estar nas tintas para os outros, e os outros apenas lhe darem sorrisos e palmadinhas nas costas.

Esses amanheceres eram-lhe vedados, assim como a obrigação de se fixar onde nascera, algo que apenas lhe acentuava a vontade de se suicidar. Por mero acaso, ou não,  a sua mãe passou a ligar-lhe depois da hora de almoço. E dormia mal, pela manhã com o sono a acentuar-se pouco antes do telefone tocar. Era como se vivesse aquela canção do Variações, 'estou além', porque parecia estar apenas o seu corpo e a vontade de fugir elevada à potência máxima. Claro que tanta carga negativa apenas lhe proporcionava a companhia de gente pouco dada a confusões de multidão e a opiniões quase sempre reveladoras de austeridade. Talvez por isso não se atenuasse a vontade de fugir, algo que ia congeminando há muito tempo e que o levaria ao destino mais que provável da passagem para a tranquilidade.

Essa fuga ia sendo adiada vezes sem conta, quer pela sua inércia perante as complicações, quer por uma tremenda desilusão por não ter com quem partilhar os amanheceres, algo parecidos com as noites sem fim do universo infinito para onde, desintegrando-se, queria partir em excursão definitiva, sem qualquer tipo de guia ou mensageiro que anunciasse novas ou meras ovas.

Ficar inerte na cama, por vezes arriscando um  poema sem sentido nem alarido era como que o bálsamo para a sua mente perturbada pelo vazio, com que o mundo louco que o rodeava o tentava preencher.

A sua sorte foi a de se deixar guiar pelos instintos, pelo que qualquer passo menos afortunado ao menos dar-lhe-ia a sensação de ser a melhor decisão possível. Não havia como fugir à vontade de encontrar a mulher da sua vida, que lhe proporcionaria os filhos com que tanto sonhava e que pareciam estar-lhe vedados pela maldição que lhe havia sido lançada aquando da sua adolescência.

Porém, bem mais tarde após alcançar parte do sonho restava-lhe a sensação de que apesar do Sol brilhar mais entre as sucessivas manhãs, era seguro que a vida teria poucos motivos para celebrar.

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