quarta-feira, 31 de março de 2010

003 Lugar de fascínio

Como estrangeiro e sem qualquer contacto que viesse a permitir uma adaptação mais fácil, deixou-se levar para o primeiro sítio que apareceu, sem sequer se preocupar com a existência de possíveis mafiosos que, um pouco incipientemente, tentavam ganhar pontos no mundo da droga.

Apesar da pronta desilusão e do contínuo conto que a companheira da casa onde se instalara lhe contava, extorquindo alguns euros, sentia-se como renascendo para uma vida, mesmo com o desejo a léguas luz do seu poiso habitual.

Abria os olhos conseguindo aclarar as ideias sem sequer pensar que alguma pessoa menos escrupulosa lhe deturparia o sentido dado a palavras espontâneas. Essa sensação de vida renascida apenas provocou a morte mais acelerada da inocência que já nem sequer é uma das questões que se põem. A fase adulta e as ideias serenas do seu próprio desaparecimento são parte importante do desejo igualmente virulento de viver, preferencialmente em família, como se fosse o último reduto para alcançar a vida normal sobejamente anunciada.

Lugar de fascínio encontrou-o num coração desavindo com a felicidade, apesar das muitas memórias ancoradas, tanto em dor como em prazeirosas sensações. Diria que o facto de também ser estrangeira ajudou no contexto criado de um ideal de felicidade que elevou a dignidade a um nível extremo daquilo que devia ser a normal convivência entre dois seres que tudo fazem para se sentirem amados.

As cortinas vermelhas continuam a obscurecer as tricas e os mexericos e mesmo quando o dia se deita no meio da constelação angustiada de corpos celestes sempre prontos a dilacerar o medo, que mais parece um orgão interno, logo, passível de falência.

Os desejos passam a ser de overdose de pequenos e insignificantes pormenores daqueles que funcionam bem numa relação sem trevas, mas que parecem uma eternidade quando se precisa deles durante uma excitante e posteriormente lavavel relação sexual, que servirá para uma qualquer memória ao passar de carro perto da passada explosão de sentidos e fluídos, que animam o ego, aglutinam a vontade de colocar os pés nesse lugar onde o fascínio é feito de prazer sem que o futuro possa ser encarado com desdém.

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