domingo, 15 de agosto de 2010

032 os teus lugares

Porém o desejo de viver algo mais terreno era mais forte que qualquer sonho baseado nas premissas dos quadros de Dali pelo que a conta da farmácia ou do traficante de uma esquina perto de si, era um perfeito disparate que amotinava a concretização das tarefas mais simples, tornando-as tão ou mais utópicas que as ditas irrealizáveis.

Lembrava-se do pessegueiro e do limoeiro em frente a um alpendre, a perfeição para a fuga à cidade. Olhando em frente via o vale verdejante que se estendia até ser interrompido pelo céu, o que lhe recordava um filme de John Ford que queria estrear na sua sala privativa de cinema quando tivesse dinheiro para tal. Não sendo impossível de alcançar abandonou facilmente a ideia  quando a alma urbana se interpôs aos desejos puros do coração dilacerado.

Foi sempre em busca de uma nova história para se agarrar de novo à vida, como se o coração tivesse vontade e alma própria, asilando-se do seu corpo pela eternidade. Felizmente também se dava conta que algumas lágrimas derramadas em silêncio lhe eram dirigidas, adiando a inevitável conclusão para algo natural e imprevisível.

Entretanto tornava-se urgente viajar no tempo, de maneira a compreender os fantasmas que se iam amontoando em cada lugar que passava.

O vale era substituído por uma paisagem de betão e o alpendre de vistas magnificas por uma secretária equipada com computador e papeis vindos das profundezas de um inferno que se constituía como a superfície visível daquilo que lhe diziam ser uma vida segura. Os olhos pesavam facilmente e as mentiras constantes que o rodeavam apenas provocavam um vazio total apenas passível de ser preenchido com golfadas violentas de álcool. Quando o concretizava apenas lhe provocava mais mal-estar, despertando noutro lugar e na única e indesejável companhia de uma ressaca, seguida de um telefonema de alguém preocupado com a sua saúde, algo que na realidade lhe era indiferente.

Ao fechar de novo os olhos abriam-se as perspectivas de sempre, quer em forma de pesadelo ou de uma qualquer sessão de amor com uma desconhecida, que apenas lhe acentuavam a vontade de fugir, sobretudo dos medíocres momentos de fugaz segurança que lhe davam um trabalho que apenas lhe motivava o desejo de acelerar o suicídio.

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