sábado, 24 de dezembro de 2011

127 à beira do coração


Nem fim do mundo, nem constatação de ser possível um contexto de paraíso. Não era para isso que tinha sido criado o ser humano. Havia-lhe sido oferecido um órgão complexo com infinitas curvas das quais apenas teria acesso à primeira, outras vezes a avistá-la, outras ainda nem sequer a vê-la. Para ultrapassar a primeira e chegar à segunda só sendo um eleito de Deus. Que raios! Era o cérebro. Sim, essa massa cinzenta comestível e que encerrava em si todos os sonhos impossíveis. Mas havia sempre um qualquer chico esperto que contornaria a situação.

O amor e a dor eram dois dos principais pressupostos que permitiam aceder à vida, aos sentimentos, à confusão necessária que fazia partir os seres em busca de algo melhor. Depois haviam os outros que apenas sabiam como os manipular, a estranheza que provocava a híper actividade de um e a ausência do outro. Estes últimos dominavam facilmente os corações puros, desgraçando as fortunas incalculáveis que residiam dentro dos corações imaculados da fantochada reinante pela imposição de restrições à liberdade, quase sempre em nome da própria.

Muitas vezes a escassez de corações não significava que os corpos assim tivessem de o ser.

A lei do natural crescimento humano tem muitas fases e todas complicadas. Viver, em si, é uma complicação e a Arturo complicava-lhe viver as complicações de cada um dos seres que amava. Não havia pachorra para tanta merda em tão pouca gente, tanta desgraça embutida em seres que se se esforçassem um pouco mais, esqueciam essa inutilidade que é sofrer por amor. Claro que lhe era fácil falar dos outros e por vezes até se abstraía, mas quando lhe tocava pôr em prática o desprezo que tanto advogava, as sementes da desgraça cresciam-lhe dentro do coração minando a tal pureza, que se renovava de vez em quando, ao contrário dos humanos normais aos quais, pura e simplesmente, era retirada sem apelo nem agravo. Tudo eram consequências de Deus e de não Lhe serem tementes. Era o que pensavam os medrosos da sociedade.

Na verdade era tudo mera especulação da sua limitada maneira de pensar. Deixavam-se levar pela incerteza de um amanhã já definido há muitos anos atrás, hipotecando um presente pelos horrores de um futuro que não havia forma de saber como seria. A Arturo irritava-lhe tanto temor ao futuro, tanto desprezo pela vivência do dia-a-dia e tanta afeição ao passado que não voltaria. Tanta lamechice desgraçava o que havia de bom nos seres que iam nascendo e claro que depois não se podiam culpar os ascendentes, sendo que era prática usual dizer que a culpa era do outro, em vez de assumir a verdade.

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