sexta-feira, 9 de julho de 2010

025 as cidades crescem

No meio de tantos gemidos, orgasmos e intensa vontade de copular, ele ia vivendo a sua vida. Decerto que o presidente da junta de freguesia aprovava o desejado acto, sobretudo se dele resultasse mais um natural da terra. A bonificação era assaz apetitosa e não era difícil imaginar as orgias secretas entre alguns dos pares mais bonitos, sem preocupações de cornos ou posterior cor da cara do filho. 

Tendo-lhe chegado aos ouvidos este plano de crescimento e ciente da sua capacidade reprodutora diante de algumas fêmeas insaciáveis, nem se preocupou com a possibilidade de ser pai solteiro, incógnito ou posteriormente acusado pelo famoso teste de ADN. Podia dar-se o caso de um filho ter um pai maricas apenas porque a mãe passara a ter asco aos homens e assim podiam educá-lo sem ter de empinocar. Umas vezes a ideia agradava-lhe, mas quase sempre se deprimia perante o espectro de ter um herdeiro que nem sequer era reconhecido como seu, apesar de o ter parido primeiro e um dos seus milhares de espermatozóides ter vencido sozinho a batalha de entrar dentro do óvulo.

Porém, depois de fantasiar tudo o que se lembrava, , voltava sereno à realidade, abraçando a namorada por quem sentia algo bem mais profundo que uma mera paixoneta ovular. Tudo isso somado à responsabilidade pelas filhas e o prazer que a ele lhe dava ter uma mulher assim, fazia o desejo de traição ser um mero devaneio.

Era possível que tantas casas vazias viessem a ser ocupadas depois de posta em prática a mais radical medida anti-crise. Decerto que os bebés voltariam a chorar apenas por nascerem e que os parques infantis voltariam a a ser motivo de agendamento de brincadeira com o afluxo desmesurado de petizes. Ao menos que esse crescimento servisse para renovar o sangue estagnado que atrofiava os pensamentos de adultos mal-amados.

Fosse ou não por decreto ele tinha esse desejo intenso da paternidade, atingindo assim o patamar mais alto da sua vida (inclassificável): uma vida normal.

Ainda assim seguia coberto por um manto negro de dúvidas pelas ruas envelhecidas de uma cidade mal cuidada. Houvessem essas crianças anunciadas no decreto e com uma manifestação por elas criada a vida se agigantasse, que a pequenez provocada pela falta de motivos racionais para sorrir, chorar ou simplesmente berrar era algo a que todos pareciam condenados.

Ao sentir as cidades crescerem os adultos deviam infantilizar os seus propósitos, prometer nunca mais crescer a sua perfídia e assim deixar o mundo livre dos caos climático, alarve vermelho e desejo de morrer a dormir. Não, essa pressão de crescimento nunca fora benéfica e assim ele não conseguiria ver o mundo com as cores que ele tem, o verdadeiro mal eram as pessoas refugiadas no negro absoluto da cegueira, o cérebro recusava-se a pensar e a aceitar novas propostas de mudança.

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