quinta-feira, 15 de julho de 2010

027 contos que nunca escreverias

Certo dia foi confrontado com algumas folhas dispersas que versavam acerca de um período conturbado em que mantinha uma relação intima com o conteúdo das garrafas de whisky, quase sempre terminadas por aguadas dores de cabeça e maremotos estomacais dos quais guardava poucas memórias. O rubor nas faces não indiciava vergonha, apenas uma súbita raiva pelo vil manuseamento daquelas folhas preciosas onde haviam penetrado com intenso ardor os seus pensamentos. Preferia sentir a casa vazia de críticas a ser confundido com uma realidade baseada em oníricas sensações vividas por um personagem que não lhe dera para desenvolver adequadamente. Pouco depois desse confronto subia-lhe mais sangue à cabeça e uma profunda raiva, consubstanciada com um demoníaco desprezo que o punha a gritar até sentir os pulmões a pedirem asilo do próprio corpo. 

Eram momentos em que a ideia de morte se sobrepunha às mesquinhas vontades de quem se dedicava a maldizer algo de que se afastara de livre vontade. Pegava então numa caneta e escrevia desalmadamente até a mão lhe doer, como se fosse um acto masturbatório que o aliviava temporariamente. Depois copiava para o papel as dores saídas de lágrimas abandonadas a um vento raro que parecia ter vontade própria e ambições de destruição da harmonia. Encostava-se ao sofá tecnologicamente avançado e delirava com a promiscuidade mantida com as letras que se amontoavam em cadernos negros, de magia, sem segredos. Fechando os olhos poderia imaginar os cenários pretendidos e encostar a imaginação ao infinito, colhendo a paz ansiada directamente na sanita, colhendo amargas revelações que apenas tinham o condão de precisar que a sua imaginação se regia por comprimidos que lhe alteravam a percepção, deixando a nu os monstros escondidos nos pesadelos, cada vez mais frequentes. Era comum que depois de algumas centenas de palavras as pálpebras pesassem e as vértebras cervicais se queixassem admitindo a possibilidade de ser mais um no bloco operatório daquele hospital em que juntavam operados à coluna e à cabeça, com a respectiva loucura adjacente para os que necessitavam de repouso absoluto. Era mais provável levantar-se de novo da cama e ver uma daquelas histórias improváveis da televisão.

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