quinta-feira, 15 de julho de 2010

028 lugares proibidos da miséria

O namoro começou bem. Cedo deu lugar aos sorrisos e ao sexo desenfreado que o seu corpo já esquecera. O tempo, recomporia tudo, sobretudo o desejo de amar e ser amado.

Foi atrás das cortinas vermelhas que se deram algumas das primeiras manifestações de amor mútuo, apesar da natural indefinição e do teatro provocado por um paneleiro assumido que tentava torná-lo num pérfido matador de lares compostos de costumes, não de amor. Mas ele mostrou bem o seu verdadeiro carácter, mesmo mentindo, alcançando a necessária indiferença de outra corja de frustrados que tinham como desporto favorito as bebedeiras diárias e o espancamento das suas mulheres, por amor, como se a miséria provocada por esses actos cobardes fosse afinal um acto necessário e normal. 

Apesar da submissão aparente dela, cada dia novo foi a constatação de que aquele pedaço de paraíso onde se amavam estava vedado aos fantasmas residentes em almas para quem amar fazia parte de ser proprietário e não de partilhar.

A força do amor foi-se manifestando naturalmente e o sonho sempre adiado de ter um filho tomara outra forma com a presença daquela super mãe, repleta de tantas fraquezas que a tornavam ainda mais bela de coração. Decerto que nesses lugares proibidos da miséria não se esgotaria um amor sempre em fase crescente, muito menos se esvairia o desejo e a força de vontade de lá sair rumo ao conforto e bem-estar que ele gostava de se proporcionar e a todos os que o rodeavam.

A mulher da sua vida houvera passado tempos de difícil digestão, com as suas memórias tristes que, ainda assim, não lhe impediam o sorriso ao entrar em casa dele. Um verdadeiro bálsamo depois de chegar  cansado de um trabalho para o qual se sentia envelhecido antes do tempo. E, pela mesma razão que sentia a chama de um amor que o atormentara sem sequer o habitar, tornava-se imperioso deixar de perder tempo com problemas que não eram mais os seus.

O mundo estava cada vez mais apodrecido, mas ainda se estava a tempo de colocar em prática o egoísmo necessário para praticar a ansiada vida normal.

No alto de uma montanha onde se escondera de uma vida simples e que tanto desejava, via apenas um silêncio que agora sabia ser de ouro.

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