sábado, 5 de novembro de 2011

113 o último beijo


Como se fosse um fado, as dores provocadas pela ausência daquele toque precioso dos lábios dela eram uma insuportável recordação que o relembravam a todo o instante a falta que lhe fazia fornicar. Era um martírio, mas recordava-se mais facilmente do último beijo que lhe dera que dos dias bonitos com gente feliz à volta. Era um egoísmo letal, mas estava-se bem nas tintas para o sofrimento que combatia todos os dias se ela estava fora do alcance do seu corpo.

Então era tempo de apanhar o combóio, esquecer as sessões de porrada do vizinho de cima à  vizinha de mamas arrebitadas e partir em busca dos beijos cuja dívida soberana atingia sempre níveis brutais de juros a cada dia que adiava a sua saciação. Era um cansaço que gostava de entranhar no corpo, percorrendo muitos milhares de metros apenas para poder navegar em conjunto com aqueles lábios de deusa encantada.

Ao longe o órgão Hammond, acompanhado por uma voz quente de um quarentão, não provocava as lágrimas previsíveis, nem vontade de fumar um charro e sorrir perante a merda saída das almas em convulsão. As portas haviam sido feitas para abrir sem ter que esperar uma qualquer ruptura epistemológica. Resumindo tudo sobravam poucos motivos que fizessem sentir valer a pena viver. As pessoas no seu estado de maturação mais avançado não passavam de meros farrapos, anémonas andantes que quebravam recordes das coisas mais absurdas que se pudessem imaginar.

Muitas vezes, depois do último beijo, apenas com um violento exercício de acrobacia mental conseguia pôr luz onde só havia almas prestes a cederem ao inimigo. Mesmo perto, os bastardos da sociedade faziam com que fizesse valer a pena a destruição da saudável loucura que brotava entre todos os peregrinos, mesmo sem saberem o que havia para além de Arturo ou sequer de Flor.

Para além do último beijo e das despedidas desesperantes, apenas um abismo de falta de desejo pelos outros. O que o levava a continuar pelos confins do Universo não passava então de um estranho segredo que brotaria do nada para corromper as ideias feitas dos inúteis sem coração para sangrar os pecados desnecessários.

O sorriso era um espécime em vias de extinção perante a estupidez massificada.

Sem comentários:

Enviar um comentário