sábado, 12 de novembro de 2011

120 o desejo que queima


Depois de abandonar o Inferno sem chamas que eram as almas revestidas de vazio, era tempo de partir à descoberta por detrás dos anjos que tropeçavam, quase sempre caindo em cima dele.

A vida só valia mesmo aquilo que cada queria que valesse, quase sempre nada, como se o egoísmo fosse a principal característica de cada ser humano.

Era-lhe difícil aceitar que algum pudesse vir a tornar-se mais um sub-produto da sociedade, em cujo futuro se revia como um funcionário zeloso do seu cinzentismo crónico, sempre sem imaginação a estagiar para a profissionalização no esquecimento, a auto-destruição alegre e despreocupada, como se todos vivessem numa linha de montagem non-stop.

Precisava acreditar que não podia obrigar os outros a serem sociáveis, a aceitarem as suas lutas contra o marasmo, sem que depois lhe exigissem contrapartidas. Era lógico que a pequenez de cada um apenas acentuava a necessidade de um novo recomeço e não remodelar os seus reles defeitos com poucas virtudes à mistura.

A caminho da realidade banal tinha os anjos por companhia, o bem como azia, um autocarro repleto de desejo que queimava o mais empedernido dos demónios.

A caminho da atroz fealdade dos espaços que o seu corpo mortal frequentava, amotinava-se com a lei da gravidade e procurava a montanha. Fechava e abria os olhos compulsivamente e nada acontecia. Berrava asneiras na cara dos vigilantes da vontade e nada derretia. Masturbava-se em cima de uma fonte vazia e as velhas gaiteiras desprezavam-no. Nada, mas mesmo nada, fazia crer que havia algum tipo de salvação naquele lado da existência.

Deu de caras com a morte da Burocracia. Os seres passaram a viver angustiados, matando sem um motivo, adiando a sanidade mental para que o corpo não adoecesse, sem que houvesse lugar a qualquer tipo de labirintos legais. O chamado do mundo vivido a caminhar era apenas o de sofrer as consequências da suposta anarquia do outro.

Os anjos afinal tinham cara de maus, apesar das auréolas e da vontade indómita de pecar junto dos seres físicos. E no final de uma história de almas inquiridas pelo Lúcifer amotinado, apenas restava a sensação de desagregação dos indivíduos enquanto conceito global para o desenvolvimento da natureza.

As convulsões seriam permanentes se nada exterminasse tamanha desfaçatez contra o mundo.

Sem comentários:

Enviar um comentário