domingo, 6 de novembro de 2011

117 rimas de abandono


Em qualquer parte o mais fácil era levar com as consequências dos erros de outrem. Havia sempre quem tentasse inovar e quem tentasse sabotar os desejos. Simples era continuar, votando ao abandono as cruzes pesadas de cada um. Muitos faziam-no com esmero, pouco se ralando com os Apocalipses pessoais que iam detonando o meio ambiente.

Em qualquer situação de emergência quase que se formava um desenho geometricamente perfeito de cabeça descaídas em busca da paz rarefeita, algures perdida nas suas almas incapazes de se soltarem perante as dificuldades.

Ia pela noite fora agindo como um inquisidor, como se a sua grandeza não passasse de reles inocuidade perante os amigos que gostavam de trair.

Ao abandono estava a dignidade de um poeta que virara demónio ao ser-lhe recusada a entrada no grupo dos 72. É possível que a cada verso de trevas e sangue negro se abrisse um fosso de inigualáveis traumas para quem lá caísse.

Ao abandono estava o conceito de verdade, por uma mera saciação de algo que não precisava ser pecado. 

Apenas pelo prazer de ser mau, o poeta criava versos novos a cada instante, enquanto lhe descia pela garganta queimada mais um pouco de cafeína, que lhe adoçava a vontade de destruir, porventura quem sentia que a poesia não passava de mais do que um rosário de paneleirices de alguém que não conseguia articular frases sem duplo sentido. Surpresa era um demónio ter prazeres físicos, menos emblemática a inspiração das doses indiscretas de cafeína.

Arturo depressa deu cabo do poeta, levando consigo os versos e a vontade egoística de lançar fogo à monstruosa inocuidade das pessoas absortas nas suas vidas sem sentido, todos os dias fabricando o seu abandono final, muitas vezes acabando esquecidas ainda em vida.

A agonia dos tontos estava sempre para breve, como se a fortuna dos justos se baseasse em limpar o caminho de quem tinha sempre algo para partir à descoberta.

Eram tempos em que os sorrisos tinham uma mera função comercial e os juros dessa felicidade algo de absolutamente incomportável.

Arturo olhou na direcção da montanha. Estava longe o que não era um impeditivo e, no final de contas, era lá que estava o futuro brilhante.

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