sábado, 13 de novembro de 2010

044 um profundo silêncio

De nada valia um profundo auto-controle se havia a capacidade de abrir uma brecha nessa muralha aparentemente intransponível. Porém, o demónio Irael descansava dentro do coração do peregrino, zelando pelo seu bom funcionamento, aconchegando a sua destruidora influência ao sangue, para sempre contaminado.

Apenas um profundo silêncio se abateu sobre a sua vizinhança, como se pressentissem a chegada do anti-Cristo que os exterminaria no dia do juízo final. Pouca gente acreditava que o mundo devia caminhar para a paz total, porventura com o desejo infantil de não absorver a maldade, existência física e demais coisas que faziam o grande Satã saltar de orgulho, enquanto a viagem ao Inferno se ia encurtando demasiado.

Estavam em silêncio mas era impossível a paz. As cortinas vermelhas escondiam um segredo atroz que apenas era do conhecimento de Irael, firmemente instalado em cada célula do coração do peregrino, esperando pelo momento final em que toda a verdade seria revelada.

Ajeitou-se a cama e estando sozinho teve uma forte sensação de que alguém o acariciava. Algo lhe perturbava a olímpica calma, o auto-controle e os pesadelos, mais cedo ou mais tarde saltariam para o exterior do seu corpo.

Numa noite calma em que mais uma vez ficou a sós, teve uma visão apocalíptica do mundo, em que se via no topo de uma montanha, vendo uma espiral de fogo em crescendo destruindo tudo à sua passagem. Estranhava o facto de não se ouvir absolutamente nada, sobretudo quando os espíritos se tornavam visíveis, mesmo após a morte do seu invólucro. Não lhe era possível mover-se apesar dos olhos captarem o Apocalipse, que pressentia ser apenas o início de uma tormenta sem precedentes.

Ele que não fumava, acendeu um cigarro, vindo do nada assim como a chama que lhe avivava de novo a paz de espírito. Quase de repente sentiu um golpe profundo nas entranhas, uma dor dilacerante e o seu espírito a querer desprender-se. Foi neste ponto que acordou sobressaltado, sentou-se na cama pondo a mão direita no seu peito. Não havia dúvidas que ainda estava vivo e dissiparam-se as que ainda podiam existir acerca da existência de fantasmas quando sentiu sair pelos poros uma sonora gargalhada que lhe dilacerou os músculos dos braços e das pernas. Depois de se acalmar, tudo mergulhou de novo num profundo silêncio.

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