sábado, 27 de novembro de 2010

047 noites de vigília

Identificado como líder da sagrada loucura, o peregrino seguia uma vida relativamente normal, cada vez mais longe de conhecidos, aproximando o coração de uma vontade acérrima de mudar a própria vontade de desaparecer. Sem saber o porquê lutava contra todas as ideias de oferecer a alma ao diabo por um pouco de paz, desconhecendo a presença de Irael que desempenhava o papel de alterar aquilo que Deus e o seu líder Lúcifer haviam acordado antes deste ser expulso do paraíso pelo próprio pai.

Sabendo da entrada do demónio no escolhido, Deus enviou o seu anjo da guarda para o proteger de alguma mudança de planos do seu inimigo de sangue, soltando-lhe a ira antes de tempo, levando tudo ao caos e destruição.

Foram noites de intensa vigília, em que a morte rondou o peregrino provocando-lhe uma angústia sem limites que não o deixava dormir em condições. Nesses momentos lembrava-se do conforto da namorada e abria os olhos inchados de dor, prontos para viver mais uma luta que terminasse com o final do dia, adormecendo de novo.

A cada dia que passava dormia um pouco menos, fruto da solidão que o acompanhava de novo, dos pesadelos e dores musculares que o faziam levantar-se de repente da cama, num desespero cada vez maior.

Apesar disso, sempre que saía de casa, conseguia encontrar alguma serenidade observando a neve, que caía, fora de tempo, vestindo a montanha de um branco augurador de um vazio que pressentia acercar-se da sua alma para não mais o abandonar.

Noutro sítio, bem longe da confusão instalada na cabeça peregrina, alguns casais entravam em combustão, logo após a mulher entrar numa sessão de orgasmos múltiplos. Paralisavam no momento em que começava a lenta assadura a que era sujeito o seu corpo. As lágrimas caíam e Ervidel ia tomando forma humana, fortalecendo a matéria no último suspiro dos carbonizados.

Aterrorizados pelo sucedido, alguns deixaram-se levar pelas mensagens do Apocalipse, vendo os imensos rios de sangue que cobririam para sempre os pecados cometidos na fronteira ténue entre a razão e a demência. Enquanto isso o corpo do peregrino ia consolidando a sua relação com alguns dos sobreviventes à chacina de um ser infernal.

Despertou suado. Tudo havia sido um mero pesadelo. Como seria possível crer numa história de demónios e num tal peregrino que andava perdido em angústias mesquinhas, em vez de se consciencializar que era a chave da salvação da humanidade?

Sem comentários:

Enviar um comentário