domingo, 1 de maio de 2011

064 o lugar austero

Abrir os olhos já era de si uma aventura. Arturo tomou consciência de que a cada momento poderia estar numa realidade diferente. Ciente dos seus poderes sobre-humanos decidiu criar uma Sociedade Secreta baseada naquela loucura que se lhe deparava a cada instante.

De regresso à casa onde vivera a vida quase toda atraiu todas as pessoas importantes na sua vida, mesmo aquelas supostamente virtuais a quem lhes podia conferir a carne e os ossos que sempre lhes imaginara para além da cara, nem sempre bonita.

A casa era um espaço fechado de memórias já gastas e pessoas esquecidas. Os pais ainda viviam por ali, mas entre si pouco falavam chegando a desconhecer se o outro estava sequer em casa.

Peregrinos tinham de o ser todos que o caminho para a salvação exigia esforço quase inumano e, neste caso, a conjugação de esforços permitiria lutar contra o bem e o mal instaurando a loucura saudável como meio de prolongar a sanidade mental das pessoas a desbloquear. Tudo se tornava então sagrado e Arturo auto-nomeou-se Peregrino-Mor da Sociedade Peregrina da Sagrada Loucura. Conseguiu juntar um número considerável de pessoas, terminando a escolha ao atingir 72. Devido às suas capacidades especiais foi unanimemente designado Peregrino Sagrado. Todos os outros passaram-lhe a obedecer até que a morte os separasse dos corpos e almas e migrassem para uma realidade e corpos novos.

Ainda assim manteve-se o mesmo homem. Quando abandonou a casa já todos sabiam qual a sua função no Planeta Terra e deviam cumpri-la pelas directrizes do Peregrino Sagrado, sob pena de o mundo não ter salvação possível.

Arturo foi buscar Flor e num ápice viram-se num resort de luxo com todas as comodidades possíveis aproveitando as suas novas capacidades. Como seria de imaginar o mundo envolvente era preenchido com miséria absoluta. Só que não se podia sentir culpado de querer amar a sua mulher antes de se dedicar a desdizer milénios seguidos de mitos humanos.

O coração batia com mais força e os orgasmos soltos no êxtase de um amor colhido no fim do mundo uma forma de fortalecer a nova e indelével vontade de viver.

Longe estava do homem aparentemente calmo que se passeava pelos lugares austeros da vida, sem sequer ter o gozo de apreciar pecados apenas disponíveis aos distintos servos de Lúcifer.

Tanto Deus como Lúcifer começavam a preocupar-se com a anunciada desmistificação da sua existência perante as infinitas fraquezas humanas.

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