quarta-feira, 4 de maio de 2011

065 o esplendor de março

A mulher era mesmo bonita, de tal forma que tanto Arturo como Flor a observaram com toda  a atenção,  como que hipnotizados e alheados ao degelo dos últimos dias de Inverno.

Já não havia vista para a montanha, apenas as recordações daquele esplendor feminino que abalou as estruturas de um amor supostamente inabalável. Apenas tirava alguma emoção do facto de Flor estar distraída e ele poder contemplar sem objecções.

Ele viu o mar e os desejos de seguir um caminho menos sinuoso uma mera anedota, todos afogados em maremotos sem fim como se tudo fosse um castigo do Inferno cruel, como afinal deviam ser todos os Infernos.
Desviou o olhar e seguiu Flor por uma rua estreita, de cheiro nauseabundo e alguns árabes a falarem, contentes de alguma coisa que nem se atrevia a querer decifrar. Ainda assim via o mar, que engolia os pecados de mais um Inverno prestes a ser triturado por mais uma sessão de aquecimento global, uma disciplina em franco desenvolvimento e com imensos alunos para lá de perfeitos na sua execução. 

Ao longe escutava uma voz lamuriosa que cantava que 'o amor não serve de nada' e os pêlos dos braços eriçavam-se provocando excitação no contacto das duas peles apaixonadas. Os instintos estavam ao rubro e a possível felicidade advinha de ainda se poder contar com o renascimento anual da natureza.

Junto ao rio encontraram-se todos os 72 peregrinos da sagrada loucura. Era o 8 de Março e podia sentir-se todo o esplendor feminino de Flor a expulsar toda a energia negativa dos eleitos.

Do nada surgiu um relâmpago e a entidade que os perseguia de longe, revelou-se a Arturo.

Voltou a fechar os olhos, como fazia sempre que algo inacreditável acontecia. Quando os reabriu viu um ser exactamente igual a si. Em absoluto silêncio olharam um para o outro. Esse silêncio tomou conta de tudo o que os rodeava e foi então que o clone falou:

'Não sou apenas uma versão aperfeiçoada de ti, nem sequer te vou informar o que sou e a influência que possa ter em ti, a resposta está dentro dos teus olhos.'

Arturo sentiu-se de novo no comando das operações, a entidade apenas apalpava terreno e nada do que dava a entender nas entrelinhas o condicionaria para levar avante a sua missão. Voltou-lhe as costas e prometeu-se que daí em diante apenas se concentraria na cruzada desmistificadora do bem e do mal. Afinal o grande enigma revelado no cofre, que fora a sua obsessão enquanto mero homem, fora apenas o alcançar de uma vida normal.

Lá longe vislumbrava de novo a montanha dos sonhos e pesadelos.

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