segunda-feira, 7 de março de 2011

055 coração esmagado

Pegou no carro e viajou de novo para o outro canto de um delírio que era a sua realidade. Nem anti-depressivos, nem bebidas energéticas para conseguir fazer o caminho sem que os olhos se fechassem. Queria a lucidez total para que soubesse o que era real ou imaginação.

Com a vida corrompida por dentro, seguiu caminho com a voz bem afinada e a cantar as paixões da adolescência à muito passada. Cerca de doze horas depois chegou ao destino, estacionando o carro atrás do Ajuntament. Atrás uma senhora, muito bem vestida, observava-o. Olhou para lá e ela foi-se aproximando. Um arrepio passou-lhe pela espinha e começou a andar até ao parquímetro. A senhora, absurdamente sexy parou atrás sussurrando algo. Ele virou-se e ficou a esperar algum tipo de reacção. Apenas teve tempo de lhe ver os iluminados olhos verdes. Caiu inanimado e só veio a acordar num quarto pequeno, decorado com cortinas vermelhas. Rogou uma praga aos céus e jurou que acabaria com aquele mundo fétido que o rodeava. 

Rasgou as cortinas e lançou-se da varanda, buscando a morte pouco mais abaixo. Por azar passava nesse mesmo instante uma carroça cheia de palha que lhe alongou a vida. Enfurecido entrou numa sex-shop e arrancou a orelha a um cliente que comprava artefactos sado-masoquistas para ser seviciado pela namorada. Sussurrou algo e cuspiu o pedaço de carne arrancado à força, enquanto o homem segurava no sexo endurecido da excitação da orelha desavinda com o seu corpo.

Fugiu rapidamente dali sem que conseguissem sequer ver quem ele era. Meteu-se no carro e fugiu. Os olhos irradiavam sangue e ao olhar para o espelho retrovisor não conseguia distinguir um horizonte de beleza e contemplação. 

O barulho ia aumentando provocando um estranho transe que lançava as pessoas para a beira de qualquer sítio perigoso. Ao mesmo tempo a terra começou a mover-se, engolindo tudo à medida que a tremideira aumentava. Voltou a olhar pelo espelho e via levantar-se atrás de si uma gigantesca nuvem de poeira, acompanhada por um ruído ensurdecedor e um forte odor a morte. Saiu do carro, mesmo sem o parar e mesmo com o seu impacto violento com o solo que o fez estatelar-se, levantou-se e seguiu, com algo branco a sair-lhe da perna ensanguentada.

Experimentou dar um salto e manteve-se no ar. Era a maneira de escapar a uma morte que, decididamente, não era algo que conseguisse concretizar.

Enquanto voava foi tomado por um sentimento de fúria desmedido que o levou a destruir tudo o que lhe aparecia pela frente, sem sequer pensar que esses actos poderiam ter consequências irreversíveis. Sentia-se invencível.

O coração batia descompassadamente e ao longe parecia que as coisas se acalmavam de novo.

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