quarta-feira, 9 de março de 2011

061 um corpo triste

Cumprida a missão e esclarecida a função da alma resta olhar para o corpo. Como ser o salvador do mundo quando o corpo se encontra de tal maneira desgastado que nem a garantia da vida já é o suficiente para que ele se mova? Decerto Arturo não era o culpado da situação.
 
Algures no além alguém decidira criar uma terceira facção que combatesse o bem e o mal. Os humanos apenas haviam sido criados para as coisas simples apesar da complexidade brutal do cérebro. Quem os criara assustara-se e ao mesmo tempo retirara-lhes o infinito que pensavam merecer.

Era hora de pensar um pouco nessa coisa do Céu e do Inferno, sendo que a vida em si é o Purgatório absoluto. 

Consoante a balança pendesse mais ou menos para um dos lados, seria esse para onde iria depois de morto. Pensou apenas na vida que tinha antes, no desejo de poder contar com Flor na épica batalha que se avizinhava. Muito teria ainda que aprender até que o destino lhe reservasse a glória anunciada.

Junto ao cofre dourado, blindado a influências exteriores encontrou um manuscrito antigo mas em bom estado. Abriu a caixa dos óculos e colocou-os para se certificar em alta definição aquilo que lhe parecia ter visto na primeira folha.

Do nada nasceu uma melodia. Uma guitarra portuguesa pairou no ar e as notas soltaram-se por entre os átomos. Observou de novo a folha e estava em branco. Passou a mão por cima, sem lhe tocar e um corpo começou a tomar forma. Ficou extasiado com a experiência e depressa se anunciou o corpo perfeito de Cristo, com as suas nefastas chagas em plena evidência. O mais extraordinário era que algumas gotas de sangue começaram a escapar-se para as suas mãos. Não se mexeu e tomou toda a atenção possível aos sinais provenientes daquela sensação de estranha serenidade.

Sentado em cima do cofre dourado estava um Serafim, tranquilo mas algo resmungão pela espera a que Arturo o submetia. O Serafim sabia o que o esperava e que o contacto fisíco iria ser feito sem no entanto saber se o plano do seu Chefe iria dar resultado.

Arturo desviou o olhar para o cofre dourado. O manuscrito, que lhe tingira os dedos do vermelho mais vivo que alguma vez tinha visto, evaporara-se sem que lhe fosse revelado o sentido de tudo o que se estava a passar. Era tempo de descobrir qual o interesse dos demónios no segredo contido dentro do cofre. Enquanto isso assomou-se de novo uma guitarra portuguesa no ar e escutaram-se os primeiros acordes do 'Despertar' de Carlos Paredes. Sem saber como começou a cantar juntando versos à música numa linguagem imperceptível. A seu lado estava de novo Flor e as suas quatro amadas filhas.

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