sábado, 11 de junho de 2011

077 os vestigios da tua boca

Parte da essência da sagrada loucura era encontrar vestígios de amor em corpos sedentos da vida que teimam em obliterar, em nome do bem ou do mal. Nem sempre era fácil olhar para um ser humano mais dotado fisicamente sem dar graças a um qualquer tipo de perfeição que às vezes não passava de uma mera Fata Morgana. Se encontravam duas bocas unidas em desvarios de paixão, decerto que no final ficariam os vestígios, as impressões irreversíveis de algo eterno, de algo mais não era que o preâmbulo de um forte tesão limitado pelos preconceitos incutidos desde sempre.

Dentro do amor moravam alguns peregrinos, não tantos como se poderia pensar, apenas os suficientes para lembrar que não só era fundamental saciar o corpo, como aprender com a pureza inerente a uma criança de 5 anos, em busca de um qualquer reino encantado de satisfação de exigências e imbuída da inocência que apenas provocaria sorrisos a um adulto, este já com a crónica doença da falta de tempo e da simples noção da realidade.

Esse amor, que passava de boca em boca, deixava vestígios de saliva, pedaços de perigosa sedução pelo grande sonho de quem quer que seja que o tenha: uma vida normal!

Podia então tentar-se saber qual era o prédio onde morava o amor. Havia quem tivesse tomado logo a decisão radical de amputar o desejo de angústia. Algo estranho, porém, sem qualquer problema, sem holofotes, sem qualquer história tornada secreta apenas por obscuras razões comerciais, foi tomar de assalto os olhos cegos à novidade: o amor num prédio. E porquê tamanha falácia?

As pessoas haviam sido de tal maneira levadas a pensar que o mundo era um lugar perigoso que a única forma de se protegerem era dando a sua liberdade a um punhado de bandidos, o que acentuava ainda mais o medo. Então escondera-se o amor num daqueles sítios iguais a tantos outros, para o proteger com maior eficácia dos ladrões da mera felicidade.

O amor e o calor humano a ele ligado estavam assim em silêncio, em busca de um qualquer receptáculo que os quisesse tomar de assalto. Com a certeza de que outro clone sem os defeitos habituais estava ali, pronto a sair para o mundo, sempre com a mesma pujança inicial, sempre com o mesmo baixar de braços progressivo à medida que fosse crescendo. Ainda assim, ali estava, pronto a ser tomado por quem o conseguisse enxergar. Nem que o preço a pagar fosse o de regressar aos tempos primitivos em que o mundo era uma imensa descoberta. Era fundamental optimizar as vontades perdidas de humanos em caminhadas sem nexo.

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