quarta-feira, 10 de agosto de 2011

087 as primaveras tristes


O ruído não incomoda, é preciso levar o gosto pela vida às últimas instâncias. Nem sequer a ousadia de algo o fazer sorrir sem que depois se sujeite a uma resposta agressiva. É bom ter vida, uma mensagem que, está seguro, ainda falta chegar a muita gente.

Lembranças, só daquela Primavera em que um temporal entristeceu algumas famílias engolidas mais cedo pelo natural esquecimento a que quase todos estão votados. Apesar dessa infame recordação, guardava momentos de loucura que não se podem abreviar assim numa mera historieta. Só que terão sido a génese de um ser que não tem nada de normal e vive preso num hospício.

O olhar trespassa as paredes enquanto lá bem ao fundo uma melodia árabe convoca antigos anjos há muito esquecidos nos fossos perdidos de um Inferno alternativo do grande Satã. O desejo deste ser agrilhoado é apenas o de amar e ser amado sem que os preconceitos normais das bestas que o rodeiam se interponham num vácuo que aperta o bem e o mal num buraco comprimido por pouco tempo, decerto negro, seguramente devorador de qualquer tipo de vontade própria.

As Primaveras tristes da ausência de liberdade física até podem terminar num abrir e fechar de olhos, mas ao mesmo tempo sente a paz necessária para poder fugir às responsabilidades de líder de uma via alucinatória de desejo.

A consciência de Arturo não passa de um emaranhado intenso de fragmentos dos quais apenas agora ele tomou noção, entre os comprimidos para dormir e as drogas experimentais que lhe desarticulam o pensamento.

Por vezes julga ver Flor e as suas 4 filhas do outro lado do espelho, conspirando a destruição de um pacto sagrado contra ele e as suas ideias revolucionárias.

Os olhos fecham-se, as cortinas vermelhas reaparecem e encontra-se de novo no velho quarto, quase sem espaço, onde amou Flor em noites de volúpia secreta. Sorri por voltar ali, deixou de ser apenas uma recordação. Ele caminha naquele apartamento como se todos os desejos do seu ser se resumissem ao seu conteúdo aparentemente vulgar.

Junto a si um homem, profundamente preconceituoso, convida-o para beber uma cerveja. Está um frio de rachar e a Primavera de Arturo ainda não ousou ser o princípio de nada.

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