sexta-feira, 19 de agosto de 2011

102 porque não te havia de contar?


A vida dentro da dimensão normal era um perfeito embuste, nem aprofundava relações, nem extravasava ódios. Sentia o normal fluir dos dias como uma rápida aproximação da lápide que registaria durante alguns anos a sua fútil passagem por este mundo. Não que tivesse como supremo desejo passar-se de vez para a dimensão do esquecimento, mas acentuava-se essa vontade de se libertar do demónio realmente instalado na sua cabeça. Passara a ser crente? É possível que a indiferença, o mundo e as suas abjectas contemplações o levassem a procurar abrigo no suposto criador de todos os Universos.

Fechava os olhos e às vezes não sentia ninguém a usar a inquisição das consciências como forma de castigo para fazer sobressair as suas imundas necessidades de foder sem querer saber do prazer.

Abria os olhos, olhava mesmo para trás e já não via o outro lado da montanha e o sexo com prazer interrompido, apenas a imensidão do Universo com uma brecha cada vez maior na parede negra, supostamente inviolável, que o mantinha fechado aos olhos curiosos das divinas entidades, dos demónios enraízados, da indiferença generalizada.

Contava com Flor para lhe amenizar a profunda ansiedade das passagens entre dimensões e sempre que um deles viajava sozinhos, algum furacão de grau 5 destruía os sonhos de vida normal da gente simples que antes vivia no seu caminho.

Voava, juntava-se bastas vezes com os outros peregrinos, onde se encontravam seres que apenas lhes eram convenientes, uma perfeita peça de caça para abater após perseguição impiedosa. Ainda assim cumpriam os objectivos de extermínio da estupidez, da opressão das ideias livres, dos espíritos desenvolvidos.

Umas vezes sentia Deus a apaziguar-lhe a alma com a tranquilidade pura de um qualquer paraíso brotado do coração. Outras vezes apenas Lúcifer a fazê-lo caminhar alegremente sobre os pedaços de corpos da gente que apenas embrulhava a sua existência num manto de falsidade, âncoras que afundavam vidas em vez de manterem os navios seguros em alto-mar.

Era apenas um mero homem, superficial para quase todos, mas a quem brotava do peito a imensidão de amor e desejo própria dos predestinados.

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