sexta-feira, 19 de agosto de 2011

104 voltemos a dezembro


A distância temporal não é muita e as recordações costumam ser de acalmia, tanto nos desejos de radical mudança, como na apatia que anda em tentativa constante de imiscuir-se nos corpos incautos de pessoas já gastas antes de sequer começarem a viver.

Hoje estou aqui, suspenso no ar, observando o meu corpo, imbecilizado pela constante ingestão de odores e sabores que nem maléficos são. Quer dizer, em ambiente mais íntimo, com aumento do desejo e animalesca vontade de foder, o veneno entra sem que me dê conta, mas não é o caso, apenas sinto o corpo sem reacção aos estímulos, ao pensamento depravado incutido pela alma que o faz viver até se interromper o fluxo, quer seja de forma natural ou forçada.

À volta apenas consciências dominadas por uma imbecil vontade de alcançar um mínimo de estupidez. Os seres riem-se, de algo com o conteúdo próprio das suas cabeças, como se fossem galinhas secas à beira da faca que lhes cortará, por fim, o pescoço.

Apenas sinto desprezo por elas, uma tristeza tal que me apetece voltar a Dezembro e não sair daquela cama com vista para as cortinas vermelhas, onde um dia me abracei a Flor com o suor abundante a transferir-se lentamente para o seu corpo excitado.

Esquecer este meu martírio de ter de andar entre dimensões e ter outro ataque de febre só para ela cuidar de mim enquanto humano indefeso, abandonado a uma estupidez insana, porém saborosa.

Sabe-me mal estar acima de mim mesmo, quando vejo os juízes a preparar a morte das consciências limpas dos pecados embutidos à força dentro de cada um. Olho para todo o lado e de nenhum lado os olhos faíscam de vida, como se o Inferno sem chamas dominasse as almas em queda para um abismo sem fim.

Fecho e abro os olhos e a dimensão dos pecados não se altera, talvez fosse altura de saborear o prazer que o demónio há tantos anos a possuir-me, não me deixa celebrar: a Ira.

É possível que ainda tenha que voltar muitas vezes ao meu corpo, amar Flor e as suas encomendas criadas com tanto carinho. É natural que a missão de salvar as almas desses julgamentos sumários, que para eles estão preparados, seja a minha missão final em qualquer das dimensões.

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