sábado, 20 de agosto de 2011

105 o frio à volta de tudo

Um dia, após se perder nas chamas intensas vindas do frenético corpo de Flor, Arturo voltou a fechar os olhos. Quando os abriu, o calor transformou-se em frio. Voltou a fechá-los e quando os reabriu a luz intensa transformou-se num negro profundo. Voltou a fechá-los, quando os reabriu sentiu-se a sufocar.

As mãos tocaram num pedaço de veludo, negro como a morte desconhecida. Fechou os olhos, sem que por uma vez na vida não sentisse arrependimento de chamar tanto pela morte. Reabriu-os e tocava  uma canção lúgrube da intensa falta de um mero amor, o próprio. Era um sentido negro da vibrante panóplia de cores alternativas de Nick Cave, depois do burro, sem avistar o anjo perdido em afazeres intermináveis.

Sentiu uma mão de criança, mas não de criança pequena. Uma voz sussurrava-lhe uma melodia apaziguadora ao ouvido. Se essa era a sua salvação, pois não mais a largaria. Começou a subir, sentindo a madeira a estalar e a melodia, em duplo sentido, a desaparecer. Fechou mesmo os olhos e continuou a sentir o mesmo. A terra passava-lhe pela boca fechada, pelas narinas castigadas, pelos olhos fechados do medo indescritível. Ainda não sabia muito bem porquê. Subiu o que lhe pareceu ser uma gigantesca porção de montanha. 

Quando a sua mão direita sentiu o contacto de algo diferente de terra, pensou estar a entrar noutra dimensão, sentiu-se enregelar. Ao avistar um pouco de luz apercebeu-se que era Margarida que o puxava. E mais ao longe a sua mãe, Flor, largava uma lágrima que convulsionava um sítio qualquer algures no planeta.

Quis sorrir, mas a jovem desapareceu e ele ficou ali numa espécie de purgatório que mais não era que o exacto centro que dividia as duas dimensões por onde ele se passava sem qualquer tipo de entraves. Nunca se vira naquela situação e quase que não conseguia mover-se, pelo extremo frio que se entranhava em cada poro do seu ser.

Sentiu-se agrilhoado, enquanto uma espécie de tribunal decidia a sorte de umas quantas almas à mercê dos desígnios fascizantes do Bem e do Mal.

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