sexta-feira, 11 de maio de 2012

129 no rubor dos lábios



O silêncio abatia-se facilmente pelas pessoas ao seu redor. Era claro que, mesmo entre os 72, alguns nunca haviam comunicado sem ser por telepatia, sinergia de esforços mental, qualquer coisa distante da vulgar linguagem dos simples humanos.

O rubor dos lábios era algo que sempre o atraíra, da mesma maneira que a indiferença dos seus queridos perante o lodo em que se atolavam todos, o enraivecia. Para nada! Se queria mudança que começasse por ele, mais ninguém o faria. Os outros conseguiam ser felizes nas lamúrias constantes por um mundo melhor e pelo grande prémio de um jogo em que o investimento era quase sempre deitado a perder.

Frequentemente entranhava-se nele o odor carnal de Flor, era uma meta precisa para conseguir fazer o que era preciso. Sabia que envelheceriam juntos e um dia passariam a memórias todos os encontros sexuais perpetrados. Havia que aproveitar os cada vez mais raros momentos em que conseguiam estar juntos.

Voltou à sua missão de antes, regressando à terra onde conhecera Flor. Era uma meta precisa para fazer o que era preciso, isto não lhe saía da cabeça. Passou pela rua onde vivera uns meses e olhou para cima, perdendo-se no habitual emaranhado de fios eléctricos, ali muito perto do apartamento onde vivera, com uma fileira de pombos em impassível caganeira que aterrava nas cabeças desprevenidas de quem passava desatento.

Já não via as cortinas, apenas uma placa a dizer ‘es lloga’, possivelmente mais barato que no seu tempo, mas isso passava-lhe ao lado. Apenas se interessava por sublimar o rubor verdadeiro nos lábios dos irritantes habitantes de uma zona mentalmente degradada, com as normais consequências no meio ambiente circundante.

A carnificina esperada acabou por não ser assim tão explícita. Era impossível querer destruir pessoas que nem sabiam o que era ser mau. Apenas eram estúpidas ao ponto de não saber aproveitar uma das maravilhas carnais postas ao seu gratuito dispor: o beijo. Parecia que a boca apenas servia para funções alarves, desaproveitando os benefícios do silêncio.

Deu-se conta da importância da verdadeira necessidade de dominar bem o ofício do silêncio para suportar os benefícios da ausência de som.
 
Se as pessoas não falassem através dos preconceitos adquiridos, era certo que o mundo ainda teria uma réstia de esperança na salvação, de outra maneira os sonhos emergentes dos miúdos da geração seguinte jamais poderiam fundar a Pipocalipsia, o mundo onde os excessos de doces e de sal não teriam nunca como consequência a amputação dos membros inferiores.

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