Houve um dia em que todos se
juntaram na penumbra de uma sala. Na televisão antiga, a preto e branco, José
Agostinho Baptista dava uma entrevista a uma jornalista antiga acerca do seu
novo livro ‘Biografia’. Os presentes pareciam não se dar conta que cada recanto
daquele sítio era preenchido com retalhos de almas danadas. Quase todas, que
alguns permaneciam estáticos junto a uma chávena de café da qual saíam sons de
balões cheios de água a esfregarem-se freneticamente contra cordas gastas de
uma ainda mais antiga guitarra portuguesa. Não havia lugar a meros humanos,
apenas a esperar, pela eternidade se preciso, a penar pela chegada do
decifrador-mor dos enigmas sem solução.
É claro que a eternidade não era
algo inalcançável e depressa se depararam os 3 donos das almas mais ou menos
imundas que viajavam inquietas por corpos com vida pelo mero infinito enquanto não
eram convocados para dar sentido a um novo corpo.
Como se podia desejar o Céu se
não havia lugar aos pecados apetecíveis? Como se podia querer o Inferno se
apenas se teria o sofrimento repetido até à náusea, o desconforto das trevas
eternas? Como se podia querer perecer no limbo dos que, insonsos, passaram a
vida de cabeça baixa à espera da sorte no meio do desnorte?
Na penumbra de uma sala depois da
presença física de José Agostinho Baptista e pedaços da terra natal junto do
coração do poeta, os 3 deambularam pela antiga amizade que os unia, nascida do
ventre da Mãe de todos eles. Viajaram ainda na recíproca tentação de se
evidenciarem pela desgraça, pelas línguas que, debitando silêncio, se sujavam
com o desprazer pela prática necessária de actos que levavam a uma morte
dolorosa e lenta, a uma entoação épica de letras encadeadas em palavras comuns
que, juntas, formavam a perdição final.
Lá ao longe, num sítio um pouco
menos negro, um italiano tresloucado assumia o papel de animador num
espectáculo de angústia e cor, que convidava os eleitos a juntarem-se-lhe na
demanda pela orgia mais excitante de palavras de todos os malignos e
descuidados tempos de hipocrisia.
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