sábado, 26 de maio de 2012

148 na penumbra de uma sala


Houve um dia em que todos se juntaram na penumbra de uma sala. Na televisão antiga, a preto e branco, José Agostinho Baptista dava uma entrevista a uma jornalista antiga acerca do seu novo livro ‘Biografia’. Os presentes pareciam não se dar conta que cada recanto daquele sítio era preenchido com retalhos de almas danadas. Quase todas, que alguns permaneciam estáticos junto a uma chávena de café da qual saíam sons de balões cheios de água a esfregarem-se freneticamente contra cordas gastas de uma ainda mais antiga guitarra portuguesa. Não havia lugar a meros humanos, apenas a esperar, pela eternidade se preciso, a penar pela chegada do decifrador-mor dos enigmas sem solução.

É claro que a eternidade não era algo inalcançável e depressa se depararam os 3 donos das almas mais ou menos imundas que viajavam inquietas por corpos com vida pelo mero infinito enquanto não eram convocados para dar sentido a um novo corpo.
Como se podia desejar o Céu se não havia lugar aos pecados apetecíveis? Como se podia querer o Inferno se apenas se teria o sofrimento repetido até à náusea, o desconforto das trevas eternas? Como se podia querer perecer no limbo dos que, insonsos, passaram a vida de cabeça baixa à espera da sorte no meio do desnorte?

Na penumbra de uma sala depois da presença física de José Agostinho Baptista e pedaços da terra natal junto do coração do poeta, os 3 deambularam pela antiga amizade que os unia, nascida do ventre da Mãe de todos eles. Viajaram ainda na recíproca tentação de se evidenciarem pela desgraça, pelas línguas que, debitando silêncio, se sujavam com o desprazer pela prática necessária de actos que levavam a uma morte dolorosa e lenta, a uma entoação épica de letras encadeadas em palavras comuns que, juntas, formavam a perdição final.

Lá ao longe, num sítio um pouco menos negro, um italiano tresloucado assumia o papel de animador num espectáculo de angústia e cor, que convidava os eleitos a juntarem-se-lhe na demanda pela orgia mais excitante de palavras de todos os malignos e descuidados tempos de hipocrisia.

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