quinta-feira, 24 de maio de 2012

140 a cicatriz


Fruto da extrema ignorância da maior parte dos humanos, o mundo fora sujeito a uma violenta descaracterização que levaria à revolta antecipada de um Planeta com céu enganadoramente azul.

Em mais uma sessão de círculos aéreos de uma precisão geométrica espontânea, os peregrinos encontraram o momento exacto em que, na dimensão correcta, aconteceria o tal fim do mundo, à imagem de Deus e inveja de Lúcifer. Esse acontecimento trágico, tantas vezes anunciado, com contornos de macabra tentação em que por mais uns trocos se alienavam vidas que apenas se arrastavam, às vezes felizes na pequenez dos seus propósitos, e quem os podia censurar se daí não houvesse desgraças para os semelhantes? Pois o tal acontecimento não destruiria tudo. A pulsão homicida da humanidade haveria de ser sentida pelos sobreviventes, sem que daí pudessem tirar qualquer tipo de proveito positivo no futuro mais imediato.

Arturo e os seus peregrinos, assim pequeninos e sem importância aparente, desfizeram o círculo e partiram em busca da salvação de quem entendiam merecê-la. Levá-los-iam até à montanha mágica e no meio de um brutal Pipocalipse de miúdos traquinas e híper-activos dar-lhes-iam a passagem para o mundo em que ser normal era um privilégio de todos, sem que se sentissem as eternas cicatrizes de ter de prestar vassalagem aos preconceitos da humanidade.

Demoraram pouco tempo a encontrar quem queriam encontrar. Eram facilmente identificáveis os que se coadunavam com os princípios da Sagrada Loucura e assim os absorviam, sem destruir os seus corpos e acima de tudo sem danificar o potencial infinito das suas almas.

A cicatriz mais profunda não iria desaparecer. Arturo levava consigo o martírio eterno dos desejos frustrados, a eterna aridez das ideias que violentava quem tinha o desejo de mudança, a integridade dos que viam o mundo e sobretudo o praticavam muito para além do poder do dinheiro, a mais poderosa arma de Lúcifer contra o medo inclassificável que lhe era incutido pelo temor a Deus.

A eterna luta entre o Bem e o Mal iria ser alterada para sempre, sem que os representantes máximos das facções opostas pudessem controlar essa mudança, que consideravam ora raivosa, ora despropositada.

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