domingo, 20 de maio de 2012

135 uma paisagem sem tempo


Olhava para uma paisagem desoladora onde os vermes se passeavam na sua frenética estupidez. Corpos sem fluído, movimentando-se sem destino. Via as chamas ao longe, aproximando-se das vidas obcecadas pela fortuna.

Sentia o chão duro e frio. Enterrado vivo e pago para o consumirem. O cérebro cruzava o desconhecido, o infinito, mas ali tudo era oco e disforme.

Falava sem saber porquê e das bocas imundas que o rodeavam apenas saía poluição que abria ainda mais o buraco do ozono. Engolia as suas maledicências e o estômago revoltava-se, no entanto imaginava a suave melodia de um qualquer pássaro apesar de se estar nas tintas para o seu bem-estar. Pecado mortal.

Lembrava-se de uma mulher bonita, demasiado bonita e oca e por isso mesmo o seu fantasma começava a esfumar-se. Sentia-se sozinho, perdido numa cama acolhedora sem que a tal mulher o socorresse. Então pegava na vontade, levantava-se e andava até à cozinha. Tomava um café, numa chávena ressequida pelo tempo e sujidade, pressentindo que apenas o amor lhe daria força. Possivelmente outra espécie de desassossego.

Não tinha problemas em expor a sua antipatia suprema à mulher bonita se a voltasse a ver, apontando-lhe os defeitos da alma feia. Era então que se manifestava a sua fraqueza suprema, fazendo-a caminhar nas trevas sem retorno, inebriada pela sua apatia, meneando as suas ancas carnudas e ajeitando a trança feia que lhe adornava os cabelos.

Por ter assim tantos motivos de interesse, julgava-se apaixonado, porém acabava sempre o caminho ao lado do seu verdadeiro amor: A Morte. O único mistério e sonho recorrente que faria desaparecerem os portais de acesso ilimitado.

Assim não conseguia ser feliz, pensar no destino, vivendo naquele esgoto imenso. Apenas se imaginava despido, no meio da multidão, apontado por todos, preso e espancado quase até à morte. E depois vítima de uma conspiração de factos inventados para tapar outras culpas formadas, sendo por isso condenado à tortura eterna depois de se provar o esquecimento legal de zelar pela vida. E no fim sentia a guilhotina, bem afiada, avançando para o seu pescoço enquanto a multidão delirava. Os momentos sem consciência pouco duravam e pouco depois a cabeça estava de novo cosida ao corpo. Aproveitava para tentar arrancar o coração com as próprias mãos. Os que o rodeavam petrificavam um após o outro, mas do Inferno vinha sempre o coração despedaçado pronto a ser devolvido ao seu próprio corpo.

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