Olhava para uma paisagem
desoladora onde os vermes se passeavam na sua frenética estupidez. Corpos sem
fluído, movimentando-se sem destino. Via as chamas ao longe, aproximando-se das
vidas obcecadas pela fortuna.
Sentia o chão duro e frio.
Enterrado vivo e pago para o consumirem. O cérebro cruzava o desconhecido, o
infinito, mas ali tudo era oco e disforme.
Falava sem saber porquê e das
bocas imundas que o rodeavam apenas saía poluição que abria ainda mais o buraco
do ozono. Engolia as suas maledicências e o estômago revoltava-se, no entanto
imaginava a suave melodia de um qualquer pássaro apesar de se estar nas tintas
para o seu bem-estar. Pecado mortal.
Lembrava-se de uma mulher bonita,
demasiado bonita e oca e por isso mesmo o seu fantasma começava a esfumar-se.
Sentia-se sozinho, perdido numa cama acolhedora sem que a tal mulher o
socorresse. Então pegava na vontade, levantava-se e andava até à cozinha.
Tomava um café, numa chávena ressequida pelo tempo e sujidade, pressentindo que
apenas o amor lhe daria força. Possivelmente outra espécie de desassossego.
Não tinha problemas em expor a
sua antipatia suprema à mulher bonita se a voltasse a ver, apontando-lhe os
defeitos da alma feia. Era então que se manifestava a sua fraqueza suprema,
fazendo-a caminhar nas trevas sem retorno, inebriada pela sua apatia, meneando
as suas ancas carnudas e ajeitando a trança feia que lhe adornava os cabelos.
Por ter assim tantos motivos de
interesse, julgava-se apaixonado, porém acabava sempre o caminho ao lado do seu
verdadeiro amor: A Morte. O único mistério e sonho recorrente que faria
desaparecerem os portais de acesso ilimitado.
Assim não conseguia ser feliz,
pensar no destino, vivendo naquele esgoto imenso. Apenas se imaginava despido,
no meio da multidão, apontado por todos, preso e espancado quase até à morte. E
depois vítima de uma conspiração de factos inventados para tapar outras culpas
formadas, sendo por isso condenado à tortura eterna depois de se provar o
esquecimento legal de zelar pela vida. E no fim sentia a guilhotina, bem
afiada, avançando para o seu pescoço enquanto a multidão delirava. Os momentos
sem consciência pouco duravam e pouco depois a cabeça estava de novo cosida ao
corpo. Aproveitava para tentar arrancar o coração com as próprias mãos. Os que
o rodeavam petrificavam um após o outro, mas do Inferno vinha sempre o coração
despedaçado pronto a ser devolvido ao seu próprio corpo.
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